Os aparentes excessos da chamada sociedade de consumo e as reações que provocam não devem levar-nos a falsas conclusões.
O nível atual de domínio do homem sobre a natureza é a conquista mais importante das sociedades avançadas e o objetivo mais desejado dos menos desenvolvidos.
Mesmo fisicamente, a maioria das pessoas não sobreviveria se estivesse nas condições de trezentos anos atrás.
Além disso, a educação e a consecução de um alto grau de liberdade, mobilidade, tempo disponível, contatos múltiplos, informação ampla e abundante, etc, são conquistas irreversíveis.
Muitas das manifestações que estão na moda, sobre os movimentos pelo crescimento zero e a volta à natureza, não são mais do que sonhos de um homem rico.
Preocupam-se apenas com os aspectos marginais das condições atuais.
Ninguém que esteja atualmente desfrutando de tais condições permitirá que sejam postas seriamente em perigo.
É uma falácia pretender que as regiões do mundo privadas de condições de vida razoáveis não perseguirão sua conquista como objetivo prioritário, à margem dos diferentes discursos ideológicos ou políticos.
Considerar a espiritualidade como necessariamente oposta ao bem-estar material é tão falso como identificar bem-estar material com felicidade.
Em grande parte, as conquistas materiais constituem uma condição para a qualidade intelectual e espiritual, e não um impedimento para a mesma.
A revolução do trabalho
Para as pessoas de algumas gerações depois da nossa será muito difícil imaginar quão arraigada e dramática é a atual necessidade dos homens e mulheres de serem empregados.
Literalmente, isto significa ser utilizado como ferramenta para a obtenção dos objetivos de outra pessoa, durante quarenta anos na vida, quarenta semanas por ano, quarenta horas por semana.
Esta estranha aspiração explica-se, em parte, pelo fato de que nos anos 30 uma grande crise, de um sistema econômico já avançado, impôs dificuldades e fome a um grande número de pessoas.
É verdade que 50 anos mais tarde, na maioria dos países europeus, o trabalho pago já está dissociado do conceito de subsistência.
Mas ainda podem ser necessários outros cinco ou dez anos para que desapareça realmente a “necessidade patológica” de ser um empregado estável.
Pessoas que recebem o chamado seguro-desemprego sentem-se como que culpadas por recebe-lo.
No entanto, pode-se considerar esse período como altamente produtivo.
Geralmente o desempregado volta aos estudos ou prepara alguma nova empresa, ou dedica seu tempo a um trabalho não-remunerado.
E recebe por isso, da previdência, muito menos do que custa um estudante de medicina ou ganha um general reformado.
O aparecimento de uma nova atitude com relação ao trabalho poderia acontecer repentinamente, se a noção de trabalho produtivo e socialmente útil se dissociasse daquela de emprego remunerado.
O nível e o reconhecimento social já não se identificariam com a servidão à organização.
Para que tal ocorresse seria necessário garantir a subsistência básica de todos, mediante uma política previdenciária razoável que já agora, de fato, cobre quase 20% da população ativa nos países mais avançados.
De certa forma, repete-se o problema da galinha e do ovo, porque uma boa previdência só é possível graças a um alto nível de produtividade, cuja obtenção só se alcançará pela evolução da organização tradicional, isto é, do fornecedor do emprego, como hoje o entendemos.
Porque, para sobreviver e prosperar no contexto de uma concorrência mundial, as economias adiantadas terão de ser superiores em flexibilidade e criatividade, o que as organizações tradicionais, baseadas na estabilidade de emprego, não podem alcançar.
Para que advenham tais avanços, será necessário vencer um terceiro medo, além do medo da fome e da rejeição social: o temor da liberdade e das responsabilidades que esta comporta.
É o medo de admitir o tempo livre e a possibilidade de que cada um o use de maneira interessante e construtiva.
Evidentemente, esta é uma questão de evolução gradual, mas é também de educação.
Segundo os dados do informe Interfuturs, o aumento da produtividade nos próximos anos está intimamente relacionado com a evolução experimentada pela indústria eletrônica na década dos anos oitenta.
Todos fomos criados iguais
Bem sabemos que os homens não são todos iguais.
Mas não é possível tolerar indefinidamente que a grandes grupos sejam destinados a priori oportunidades desiguais, simplesmente pelo fato de possuírem algumas características genéticas, como ser mulher, ou ser negro, ou ser estrangeiro.
O caso da mulher é o mais típico e de mais longo alcance.
O mais recente, porém, nos países da Europa Ocidental, especialmente nos mais ricos, é o caso dos trabalhadores imigrantes e suas famílias.
Apesar de um grande número de reações produzidas pelos tempos de dificuldades econômicas, o processo tende a acabar com essa discriminação, porque a profunda corrente submarina de iguais direitos e iguais oportunidades para todos se converterá, em última análise, na força determinante.
Mesmo a desvantagem comparativa dos “pobres” em contraste com os “ricos” continuará diminuindo, como aconteceu no último século e em decorrência desses mesmos princípios.
Também se reduzirá a discriminação entre jovens e velhos, em certa proporção.
Valha como exemplo o da população francesa, que usa a escola pública também como centro para o desenvolvimento cultural e a educação permanente.
Pais e filhos compartilham assim das mesmas instalações e usam o mesmo material.
Analogamente, no caso do crescente número de pessoas de idade avançada consideradas por muitos como uma carga, é provável o aparecimento de um movimento que consiga devolver-lhes a atribuição de funções adequadas e o desempenho de tarefas úteis e importantes.
À medida que as correntes sociais de pensamento mudarem as condições e o papel dos diferentes grupos, seu próprio desenvolvimento modificará o estilo global e a organização da sociedade.
Por exemplo: se as mulheres chegarem a ter uma participação proporcional a seu número no poder de decisão no seio de organizações, certamente mudarão muito o estilo e o funcionamento de tais instituições.
E, portanto, a sociedade.
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Fonte: Roger Talpaert – Diretor da Fundação Europeia para o Desenvolvimento da Direção e prêmio Leon Bekaert (1981) pelo trabalho “Les pionniers d’un nouvel age“.