Definir as tendências primordiais é o primeiro passo de qualquer tentativa de aproximação daquilo que poderá ser a vida na Terra em um futuro mais ou menos distante.
Algumas são tão evidentes que as pessoas logo se cansam da ideia (por exemplo, a rapidez na comunicação), que não se mantêm conscientemente enquanto o fenômeno se desenvolve.
Outros casos são menos evidentes e muito mais difíceis de apreciar.
Aquilo de que se necessita, contudo, não é um prognóstico do que o mundo possa vir a ser dentro de 5, 20 ou 50 anos.
Como assinala Daniel Bell:
“Não há nada como o futuro.”
Os esforços para esboçar “modelos globais” são, segundo ele, completamente inúteis.
Por conseguinte, bastaria registrar algumas das forças que parecem mais capazes de dar forma às nossas vidas nos próximos decênios, tendo presente que as mesmas são muito mais interativas e interdependentes do que aquilo que uma apresentação escrita permite sugerir.
O mundo no ano 2000, relatório feito nos Estados Unidos a pedido do presidente Cárter, em 1977, prevê uma diminuição das terras cultiváveis em relação ao aumento da população. Não obstante, o cultivo intensivo das áreas disponíveis deverá compensar esse déficit.
O domínio do homem sobre a natureza
Não é por acaso que os grandes períodos da história da humanidade são descritos segundo o grau de dominação do homem sobre a natureza (idades da pedra, do ferro, da máquina a vapor, da eletricidade, da energia atômica).
O que faz os homens diferentes dos demais seres vivos é a sua capacidade de compreender e dominar, em certa medida, o mundo que os rodeia; de aumentar sua liberdade contra as limitações impostas pela natureza; e de colocar esta a seu serviço para a realização dos próprios desejos e a satisfação de suas necessidades.
Como sabemos, o reinado do homem no planeta Terra é sumamente frágil.
Um simples acidente na imensidão do universo pode varrer a vida humana da superfície da Terra, e até o próprio planeta.
É provável, ainda, que a própria incapacidade do homem de controlar as forças que pode mobilizar tenha o mesmo efeito: destruir todo o vestígio de vida, apertando apenas um botão.
Além disso, uma atuação irresponsável na exploração dos recursos ambientais pode ter consequências fatais.
E, por último, mas não menos importante, o ser humano permanece totalmente desarmado frente à morte.
No entanto, o domínio do homem sobre a natureza está crescendo exponencialmente.
Um exemplo bem conhecido e comparação é que, se a história da humanidade fosse comprimida em um só ano, a totalidade das descobertas que configuram a civilização atual teria ocorrido nos últimos cinco minutos da última hora do último dia.
Pela primeira vez na história, o domínio do homem sobre a natureza não se limita a uma parte do planeta.
Com todas as diferenças que possa haver, já não é concebível que o atual nível de controle sobre a natureza fique limitado a uma determinada zona, onde possa diminuir até se perder.
O domínio do homem sobre a natureza é atualmente algo que se refere a toda a humanidade, não a determinada região.
Finalmente, a menos que ocorra uma catástrofe, é mínima a probabilidade de que as dinâmicas, mutuamente coadjuvantes, da ciência e da economia cheguem ao colapso, a curto prazo.
A descrição um tanto triunfalista de Herman Kahn, considerando o bicentenário da independência dos Estados Unidos como o ponto médio de uma época de prosperidade, tem muito a ver com isto.
O grito de alarme do Clube de Roma, há quase trinta anos, de que o meio-ambiente devia ser utilizado com precaução e judiciosamente, foi útil para chamar a atenção e criar um estado de consciência, certamente necessário.
O domínio do homem sobre a natureza, que cresce rapidamente, está destinado a ser universal e não parece que vá deter-se logo.
Levando em consideração tudo isto, vale a pena assinalar algumas linhas mestras desse desenvolvimento, com a finalidade de poder compreender melhor o que possa vir depois.
Previsível evolução da pirâmide de idades nas regiões mais desenvolvidas e nas menos desenvolvidas, entre 1975 e 2000. Um dos problemas mais intrigantes será o crescimento da população e sua possível compensação com um aumento correlativo do produto bruto. Segundo a maioria dos estudos de prospecção, as regiões em desenvolvimento terão um crescimento relativamente maior com relação às mais industrializadas. Além disso, o progresso tecnológico permitirá extrair maior rendimento das culturas, para alimentar toda a população.
A informação: o combustível básico
O que determina a condição humana não é o petróleo, nem qualquer outra matéria combustível.
É a informação, visto que esta é o combustível da mente e dos comportamentos humanos.
Em tempos primitivos, a informação era escassa, pouco confiável, de transmissão lenta ou impossível, muito difícil de guardar, de ler e interpretar.
Hoje é muito diferente.
Para ilustrar sua variação, vamos associar a informação com a medida da frequência característica do seu meio de transmissão.
Há alguns séculos, essa frequência, correspondente à do pulso humano, media 1 ciclo/segundo ou 1 Hz; com a industrialização, passa a ser a frequência das máquinas, cerca de 10 Hz; no início do século XX, a medida é a frequência da corrente elétrica (60 Hz); agora, estamos na era da eletrônica, e a frequência usada nas transmissões mede-se em KHz e MHz.
E não é o fim, pois a frequência ótica já se encontra na curva da esquina.
Com a frequência eletrônica e uma capacidade de armazenamento da informação barata e quase ilimitada tornaram-se possíveis os processos automatizados de alta fidelidade e baixo custo: o velho sonho do robô é uma realidade.
Como consequência, a produção em massa já não é uma exigência prévia para a produção de bens baratos e abundantes.
Pode-se satisfazer as necessidades dos consumidores individuais, com precisão e economia.
Como diz Milan Zeleny, “os consumidores convertem-se em produtores ao ter acesso direto à programação do robô da empresa (que têm em comum) para o planejamento e produção de seu próprio produto”.
Assim, a produção de bens e a prestação de serviços já não exigem a permanência de um grande número de pessoas na empresa.
A matriz da Rank Xerox, de Londres, tem cerca de 50 antigos empregados que realizam suas tarefas em seus domicílios.
A empresa do futuro é uma rede de comunicações, não uma colmeia de abelhas.
Energia: o ilimitado
Enquanto a capacidade do homem de transformar a matéria, para modificar a temperatura ou produzir movimento, estava limitada pelas disponibilidades de combustível fóssil, era justificado o medo de que essa fonte de energia chegasse a faltar, embora isso fosse exagerado.
Em sua obra Os próximos duzentos anos, Herman Kahn enumera, numa divertida tabela, as profecias e as realidades do petróleo, desde 1866 até 1949.
A crise do petróleo de 1973 foi mais um erro na gestão dos recursos a nível mundial, do que uma realidade objetiva.
Contudo, pode-se confiar razoavelmente que, numa perspectiva de 25 a 50 anos, com a energia de fissão nuclear como alternativa importante, haverá fontes de energia disponíveis (de fusão, solar, geotérmica) que finalmente resolverão o problema.
Essas fontes estão menos ligadas a uma zona geográfica determinada e à correspondente soberania.
Além disso, pelo que se sabe, são menos perigosas em termos ecológicos.
Ao mesmo tempo, novas tecnologias do transporte da energia e da sua conservação modificam ainda mais os componentes básicos do problema.
Em termos de pura tecnologia, aparentemente não existe nenhuma razão para crer – salvo os riscos e incertezas inerentes a toda aventura humana – que a energia venha a ser um fator limitador do crescente domínio do homem sobre a natureza.
Um lugar para viver
O medo da superpopulação e da consequente escassez de alimentos e outros recursos não é novo: o primeiro a manifestá-lo, Malthus, viveu há quase dois séculos.
Em uma bem documentada e equilibrada visão do futuro, o informe Interfuturs, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), estima que a população do mundo se estabilizará ao redor de 12 bilhões, por volta da metade do próximo século, um nível inferior ao que poderia ser alimentado com as tecnologias conhecidas.
Ainda não começamos a explorar e aproveitar a maior parte das reservas da Terra, para não falar dos possíveis recursos disponíveis em outros planetas.
Os problemas relacionados com a preservação do equilíbrio ecológico são evidentemente reais e seus perigos não devem ser subestimados.
Mas há uma grande distância entre apontar esses problemas e resolvê-los, como demonstrou a experiência nestes últimos vinte anos.
Também aqui, o informe Interfuturs chega à conclusão de que não existem questões insolúveis nesse aspecto, seja com relação ao clima, à água ou aos produtos tóxicos.
Os meios de que o homem dispõe para a preservação do seu ambiente natural ainda não foram utilizados em grande escala.
Aprendiz de feiticeiro?
Mesmo um rápido olhar para o desenvolvimento científico e tecnológico não pode omitir um dos principais aspectos da investigação que deve produzir espetaculares e numerosas aplicações nas próximas décadas.
Encontra-se no limite entre a biologia, a química e a física, o maior desafio à sabedoria humana e à organização social com que a humanidade jamais se tenha defrontado: a bioquímica.
Nesse terreno, o risco da experiência do “aprendiz de feiticeiro” é, sem dúvida, muito maior do que no caso da fissão nuclear.
As perspectivas para melhorar são, porém, enormes.
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Fonte: Roger Talpaert – Diretor da Fundação Europeia para o Desenvolvimento da Direção e prêmio Leon Bekaert (1981) pelo trabalho “Les pionniers d’un nouvel age“.