Não há muitos Robinson Crusoe na história.

Mesmo para a pura sobrevivên­cia, faz-se necessária alguma forma de estrutura social que vise à coordenação dos esforços individuais, segundo uma dire­triz comum: a organização por objetivos.

E, desde logo, são necessárias muitas organizações complementares para a vida de uma comunidade mais ou menos autossuficiente: a polis ou a nação-Estado.

Ao mesmo tempo, essas comunidades autossuficientes entram em contato umas com as outras, seja em conflito ou em cooperação, e disso resulta algum tipo de or­dem internacional, alguma classe de modus vivendi e um modus operandi, determinados pelas pressões e oportunidades de contato e intercâmbio.

E onde nos encontramos agora?

A organização por objetivos: esclerose

Desde a família ampliada até o grêmio de artesãos, desde o comércio ambulan­te até as empresas multinacionais, desde o serviço público rudimentar até os bandos de ladrões, as organizações por objetivos sempre existiram.

Não obstante, acham-se limitadas quanto ao tamanho e alcance.

Com a revolução industrial, pela primeira vez a ação humana coletiva mobilizou grandes quantidades de pessoas, desconhecidas entre si, para realizar tarefas coordenadas de maneira concreta e com vistas a um resultado comum.

Co­mo é natural, o modo de ação coletiva adotado foi o único conhecido naquela época: o da organização hierárquica autoritária.

Nos primeiros dias da industrialização, a maior parte das tarefas podia ser decomposta em fases facilmente controláveis.

Assim, com um cérebro central e uma estrutura tipo exército, era possível efetuar a necessária ação coletiva.

Contudo, à medida que a industrialização avançava tornava-se necessário realizar tarefas sempre mais complexas, deixando as operações físicas simples para as máquinas e os processos automáticos.

Cada vez mais, o pessoal tinha de manejar informação, em lugar de ferramentas.

A informação, porém, é invisível e difícil de controlar.

Por outro lado, o pes­soal mais instruído – fruto da industrialização – sentia-se incomodado com os sistemas de controle.

Por conseguinte, a ação humana coletiva coordenada tornava-se cada vez mais difícil de se alcançar seguindo as pautas do primitivo modelo, tipo exército.

Existe, como assinala Chris Argyris, uma contradição fundamental em um sis­tema que é baseado em controles autoritários de rendimento e, ao mesmo tem­po, depende da boa vontade dos controlados.

Essa contradição fundamental é o que explica porque todos os remédios que se tentaram – como o movimento de relações humanas, organizações segundo a teoria tal, democracia industrial, etc, não chegaram a alcançar grandes êxitos.

A esclerose institucional em organizações privadas e públicas está amplamente difundida, e já é claramente perceptível.

Para novas formas de ação humana

Alguns anos atrás, o professor Jacobs, que então era o decano da Escola de Direção de Empresas da Universidade de Yale, disse:

“Ficou impossível governar as grandes organizações”.

E já em 1976, Norman Macrae afirmava:

“Provavel­mente está chegando, em todo o mundo, o fim da era das grandes corporações de negócios.

Essas instituições foram cria­das praticamente durante o período de 1875-1910.

Durante o período de 1975-2010 podem, virtualmente, desapa­recer em sua forma atual, e a pergunta que se faz é: quem ou o que as substitui­rá?”

Para superar a crescente rigidez e a queda da produtividade que resultam dessa esclerose, é necessário que apareçam novas formas de ação coletiva que permitam chegar a um compromisso efeti­vo entre objetivos individuais e o resultado final comum, de modo que a contribuição individual à realização coletiva seja voluntária e autovalorizada, mais do que imposta e controlada fora.

As novas formas de ação humana coletiva nascem, alcançam diferentes tamanhos e morrem.

Todas elas têm em co­mum uma estrutura muito mais plana, relações temporais mais que permanentes entre os indivíduos e o sistema, mais mecanismos de mercado, maior preponderância da ação patronal, uma mobilida­de muito superior e alguma aplicação do conceito de rede.

Algumas dessas formas cresceram espontaneamente, mediante o desenvolvimento gradual do trabalho temporário ou, então, sob a pressão de normas auto frustrantes que estimulam a busca de soluções alternativas, como ocorre em algumas zonas italianas.

O bem comum em perigo

A diminuição na produtividade global e um aumento da rigidez são também o resultado de uma crescente falta de clareza da “razão de ser” de organizações privadas e públicas, na cada vez mais am­pla sociedade.

Se voltamos novamente o olhar para os primeiros anos da revolução industrial, vemos que as coisas pareciam muito simples.

Uns poucos funcionários públicos (etimologicamente, o que há de mais oposto a um diretor) preparavam e realizavam um certo número de regras para o jogo, sob a autoridade de um poder político mais ou menos legítimo, porém real.

Tudo o que não fosse proibido ou explicitamente regulado por leis podia ser assumido pela iniciativa privada, dentro de “mercados” mais ou me­nos eficazes.

Quando o sistema global se tornou interdependente e complexo, esse simples esquema ficou impossível de manter-se.

As partes mais avançadas do mundo enfrentaram, em torno de 1930, uma ruptura quase total.

Desde então, fundamentalmente, as maiores organizações privadas se converteram em públicas (devido a seu papel em termos de emprego, investimento, pesquis­as, etc), enquanto os deveres legislativos e reguladores da administração pública derivaram numa ampla gama de responsabilidades e atividades que logo incluíram a produção ou controle de serviços e bens.

Daí a importância do debate sobre as relações empresas-governo.

O verdadeiro problema consiste em que as organizações de grandes dimensões não têm uma regra com a qual se possa avaliar seu rendimento real, sua contribuição para o bem comum e sua função na polis.

As novas classes sociais

O problema complica-se com o desenvolvimento de fortes grupos de interesses, camadas de integração horizontal que atravessam poderosas organizações, consideradas de integração vertical.

As organizações sindicais constituíram os primeiros exemplos de integração horizontal na primitiva industrialização.

Salvaram os países ocidentais do colapso, naquele momento, proporcionando um modo de equilibrar o excesso de poder dos donos do capital.

A ampla solidariedade de classe no movimento sindical primitivo evoluiu para uma série de grupos de interesses profissionais muito mais estreitos e hermeticamente fechados e, por is­so, capazes de reivindicar um tipo de monopólio do que se considera uma habilidade ou saber essencial na complexa máquina das instituições independentes.

Além do desenvolvimento do movimen­to sindical, o excesso de profissionalização tem a mesma tendência ao crescimen­to.

As sociedades avançadas, a exemplo dos sistemas propulsores aeroespaciais, são sistemas altamente complexos que exigem pessoal altamente especializado: ou seja, profissionalização.

Ninguém subiria num Concorde ou num Boeing 747 se soubesse que a tripulação é formada por amadores.

Contudo, a profissionalização supõe a compartimentação das habilidades e atividades específicas, em detrimento do conjunto.

A linguagem hermética, as barreiras ao acesso e a rivalidade com as zonas de concorrência ou relação com outras profissões são características frequentes das modernas associações profissionais.

A consequência disto é uma rigidez sumamente elevada e oportunidades cada vez menores de que a von­tade coletiva determine o que sucede.

Esse fenômeno global, também chamado de oligopolização, pode ser um dos fatos inquietantes e perturbadores do mundo de amanhã.

Aqui também são perceptíveis alguns indícios do que pode e deve acontecer se as complexas sociedades modernas sobreviverem.

O único contrapeso real para o excesso de profissionalismo, e o corporativismo dele decorrente, é uma educação generalizada e uma abundante informação.

Esses dois aspectos podem caracterizar os próximos decênios e proporcionar um equilíbrio renovado no mundo de amanhã.

Leia mais em:

Fonte: Roger Talpaert – Diretor da Fundação Europeia para o Desenvolvimen­to da Direção e prêmio Leon Bekaert (1981) pelo trabalho “Les pionniers d’un nouvel age“.