Mas sobre este organograma comum, essencial e simplificado, as diferenças são múltiplas.
Daí a distinção de modos, de tipos ideais, no sentido weberiano.
Seria fácil distinguir três tipos ou modelos.
- O modelo anglo-saxão.
- O modelo germânico (do norte e centro europeu, e o continental não latino).
- O modelo latino.
Variáveis culturais (percepção, de um modo ou de outro, da essência das relações econômicas, predomínio estatal ou societária, ideologização, politização, etc) e institucionais (predomínio do empresarial ou do supra empresarial, pragmatismo, meios dominantes de ação, etc) estão na base desta modelização que propomos.
Algo que parece possível confirmar depois, utilizando a conflito social como sintoma, como expressão externa de uma estrutura social interna ou oculta.
O modelo anglo-saxão
Olhando o sindicalismo anglo-saxão mais a partir de uma descrição do que de uma análise, os caracteres que mais chamam a atenção são as seguintes: o fenômeno dominante de sua unidade; suas taxas de filiação bastante elevada; sua capacidade de organização e sua riqueza de meios e recursos; seu pragmatismo dominante, pouco ideologizado e politizado.
Nota-se que todas elas têm entre si uma correlação lógica e que exigem ser matizadas.
A unidade, por exemplo, é relativamente formal, de cúpula, que admite em seu seio um complexo conjunto de vinculações tanto de ordem geográfica como profissional, provocadoras de numerosos conflitos de jurisdição.
O poder global real está mais nos locais oficiais do que na cúpula.
Mas isto não nega esta última unidade, só a matiza.
E confirma, por outro lado, seu caráter de sindicatos de empresa.
O apolitismo também é matizável, se se leva em conta que, na Inglaterra, o Labour Party (Partido Trabalhista) foi fundado e é em parte financiado pelo Trade Union Congress (a Confederação Sindical britânica).
Mas também não se deve esquecer que, se o Trade Union Congress fundou o Labour Party, o fez precisamente para não confundir a ação política (via partido) com a ação sindical (via sindicato), para não matar a galinha dos ovos de ouro, diria o pragmatismo anglo-saxão.
Em todo caso, a tradição tradeunionista nunca questionou a ideia da pátria (ao contrário da clássica tradição internacionalista do continente).
Ainda mais claro é este mesmo fenômeno nos Estados Unidos e no Canadá, países que, povoados por duas sucessivas ondas de colonos e imigrantes, nunca tiveram luta de classes no sentido europeu do termo.
A real aproximação americana de um sindicato à política faz-se por via do conselho do voto, com a conhecida e pragmática técnica de “premia teus amigos e castiga teus inimigos”.
Considerando o sindicato anglo-saxão a partir desta análise, seria possível encontrar a chave destas características a partir de dois tipos de variáveis, culturais e institucionais.
- Variáveis culturais.
De um lado, na realidade econômica, na empresa e na economia, os fatores de integração e negociação são percebidos como mais fortes do que os de desintegração e conflito.
O que une – pode-se dizer expressivamente – é percebido como mais forte do que aquilo que separa.
A história a que acabamos de aludir confirma isso.
De outro, as relações econômicas no mundo anglo-saxão (lugar de nascimento do primitivo pensamento liberal, não nos esqueçamos) são percebidas como relações contratuais de mudança.
De negociação, por conseguinte, que é onde as relações encontram seu equilíbrio.
- Variáveis institucionais.
A primeira é a que acabamos de apontar: a negociação.
O sindicalismo anglo-saxão, integrador e contratual, é feito para encontrar na negociação o ponto social do equilíbrio.
As partes, percebidas como sujeitos de interesse contrários, mas irremediavelmente chamados a se entender, encontram na negociação o lugar desse encontro, desse enfrentamento e desse diálogo: em resumo, do equilíbrio.
De um equilíbrio instável, porque é sempre possível voltar a começá-lo em cada conjuntura, como no jogo com cada nova distribuição de cartas.
Mas um equilíbrio sólido, porque o jogo (o fairplay inglês) dá as regras.
Tudo isto está admiravelmente expresso no próprio título de um livro conhecido do economista John Kenneth Galbraith: American capitalism. The counterveiling power.
Segunda variável institucional.
Os sindicatos anglos-saxões – configurados para o encontro e o entendimento, cujo lugar físico é a empresa – são associações nascidas na empresa, a partir da empresa e para a empresa.
Cláusulas sindicais do direito anglo-saxão, como a closed shop (só podem trabalhar na empresa os filiados a seu sindicato) ou a union shop (qualquer um pode trabalhar nela, mas está obrigado a filiar-se ao sindicato da empresa num curto prazo de tempo), não são cláusulas compreensíveis – aceitáveis – para os outros países do continente, que as visualizariam como incompatíveis com a liberdade sindical e a não discriminação no trabalho.
Contudo, seria absurdo vê-las, no contexto anglo-saxão, como negação de uma liberdade que nasceu na Inglaterra.
A própria Carta Social Europeia, ao afirmar a liberdade sindical, matiza que não se opõe aos diferentes modos culturais de entendê-la.
O que não faria, sem dúvida, com relação às diferenças sindicais dos países socialistas do modelo soviético.
O que afirma a fórmula anglo-saxã é a counterveiling power (uma real repartição de poderes) também na empresa ou, principalmente, na empresa.
A bipolaridade social de uma cultura econômica de signo contratual é o que está por trás de tudo isto, com uma variante americana – a majority rule, que sublinha ainda mais o caráter de estrutura civil dos sindicatos anglo-saxões na hora da negociação na empresa.
Se nenhum dos sindicatos aspirantes a tratar com a empresa consegue a maioria absoluta, o poder de negociação é devolvido diretamente ao pessoal, que se auto organiza à margem dos sindicatos, escassamente implantados nela à vista dos resultados da votação.
Em todo caso, o que no sindicalismo anglo-saxão é impossível é a dupla representação própria do direito continental, representação através dos sindicatos e representação através das comissões eleitas dentre o pessoal.
Uma e outra são, no direito anglo-saxão, a mesma: o sindicato na empresa.
E a partir dela – para ela – forma-se a unidade sindical da cúpula.
O modelo germânico
Entendemos por modelo germânico o modelo de sindicatos dominante nos países da Europa continental, central e nórdica.
Descritivamente, há neste modelo uma série de caracteres similares aos do modelo anglo-saxão: altas taxas de filiação (até mesmo quando, como é o normal, a eficácia de negociação coletiva não vai unida à qualidade de filiados, ao contrário do que acontece na Suíça e na Bélgica); unidade sindical de fato (que depois matizaremos); forte e poderosa organização dotada de meios e recursos econômicos (sobressai a DGB alemã, proprietária do quarto banco alemão e de muitas empresas); pragmatismo de suas políticas sindicais, escassamente impregnadas de ideologia e com pouco lugar para a política (para além de uma certa simpatia histórica com os partidos socialistas, junto aos quais nasceram em outros tempos).
Uma nota os distingue dos anglo-saxões: os sindicatos tipos germânicos nasceram não na empresa, mas na profissão, na classe, a nível supra empresarial.
E somente a partir daqui desceram posteriormente à empresa, fundamentalmente com tarefas de participação na gestão ou colaboração com ela.
Algumas destas características também precisam ser matizadas.
A unidade sindical de fato, por exemplo.
Esta unidade é clara em países de industrialização relativamente recente, levada a cabo (o caso da Suécia, por exemplo) pela social democracia com o apoio de um movimento sindical unitário forte que, entre outras coisas, a levou ao poder.
Na prática, isso ainda continua em países como a República Federal da Alemanha, em que a divisão é só profissional (funcionários, empregados, trabalhadores normais) e não ideológica (os sindicatos cristãos converteram-se em círculos de reflexão e de ideias, deixando a filiação para a DGB, a grande confederação unitária).
E, apesar da pluralidade formal, continua também em países como a Holanda ou a Bélgica flamenga (com sindicatos socialistas, católicos e protestantes), em que a velha divisão é apenas uma relíquia histórica, perdida hoje numa real unidade de ação e de filosofia sindicais (ao contrário daquilo que se vê em países latinos, divididos pela pluralidade ideológica).
Somente seu caráter puramente histórico impediu que desaparecesse essa pluralidade formal.
Analiticamente, as variáveis culturais e institucionais destacáveis seriam:
- Variáveis culturais.
Uma primeira e comum com o modelo anglo-saxão: a realidade econômica é, também aqui, percebida como algo que une mais do que separa.
A história recente – alemã, por exemplo – teria algo a ver com isto; a crise dos anos vinte, que faz perceber a realidade de maneira diferente.
Da concepção marxista (alemã, em última análise) da crise como o momento histórico em que os de cima descem e os de baixo sobem, passa-se à percepção de que afundamos todos juntos.
Daí ao “é preciso salvar todos juntos” não há mais que um passo.
O protagonismo dos sindicatos (apoiados pelos aliados) no processo de reindustrialização da Alemanha do pós-guerra, é outro exemplo para perceber o sentido dessa história.
Ao contrário da cultura contratualista, profundamente implantada nos sindicatos anglo-saxões, a tradição económica-germânica vê, nas relações econômicas, não relações contratuais de mudança nas relações administrativas de autoridade (de liderança, escreveu em termos elogiosos Marx).
É esta uma cultura que distinguiu – pela primeira vez – a diferença entre economia política (teoria econômica) e política econômica.
O aparecimento dos economistas áulicos (os assessores do presidente) é uma tradição germânica.
- A estas maneiras de perceber a realidade econômica, correspondem, por sua vez, duas variáveis institucionais: o poder no qual as relações econômicas se decantam é um poder integrado pelo equilíbrio bipolar (a negociação), mas por sua reinstitucionalização como espaço decisório que, se afeta a todos, deve ser compartilhado por todos os afetados por ele.
Daí nasce uma segunda variável institucional, o caráter gestionário dos sindicatos na empresa (caso bem concreto na República Federal da Alemanha, que tem muito a ver com a situação de pós-guerra), ou a níveis supra empresariais (mais dominante no resto do grupo destes países).
O Informe Biedenkoph é, a este propósito, muito significativo.
Encarregado pela primeira coalizão SPD-FDP, aconselha o governo a não descuidar a ação reivindicativa clássica dos sindicatos.
Estando estes inseridos inequivocamente no espírito administrativo de todos, o conflito, próprio de toda sociedade industrial, poderia sair – atípica e patologicamente – à margem dos mesmos, simplesmente na rua.
O modelo latino
Descritivamente, os caracteres deste modelo são, à primeira vista, os mais opostos aos outros dois: predominam as taxas baixas de filiação (França, a mais baixa dos países industrializados de certo porte, em torno de 20%); forte pluralismo sindical (com uma repetição quase constante de três grandes confederações sindicais: a comunista, a socialista e a historicamente cristã, juntamente com outros sindicatos menores); forte ideologização e politização destas, que explica o movimento histórico de cisões e fusões no ritmo da ideologia e da política; escassa capacidade organizativa, com mais mística do que recursos e meios (o estilo proletário é aqui uma constante persistente); e, como na tradição continental, os sindicatos latinos não nascem na empresa nem a partir dela, mas na classe (mais na classe do que na profissão), e neste nível querem permanecer como proposta.
Sua entrada na empresa é tardia (1968 na França, 1970 na Itália) e esta não se dá – com exceções auto gestionárias, como a da CFDT – para assumir a empresa, mas para levar a ela (para fazer dela um lugar privilegiado) a luta de classes.
Vale a pena sublinhar o exemplo francês (o italiano seria relativamente semelhante) como paradigma do movimento sindical no ritmo do movimento ideológico ou político.
Com vocação para a unificação total, existia a princípio a CGT (Confederação Geral do Trabalho), que, por motivos ideológicos, coexistiria de pois com a CFTC (Confederação Francesa dos Trabalhadores Cristãos).
Em 1921, surge a primeira cisão da CGT.
A minoria comunista, fiel à Internacional Comunista, cinde-se, constituindo-se em CGT-U (unificada).
Em 1936, com a Frente Popular, socialistas e comunistas voltam a unir-se: é a CGT de novo.
No pós-guerra (guerra fria) consuma-se de novo a cisão.
Desta vez é a minoria socialista que se separa (as greves em favor de uma política antiamericana, pró-russa, a inquietam), constituindo-se em CGT-FO (Força Operária, o seminário sindicalista em torno do qual orbitava essa tendência).
Em 1964 (aggiornamento – a “atualização” – da Igreja com João XXIII, Concílio Vaticano II), a CFTC se aggiorna – “atualiza-se” – transformando-se em CFDT (Confederação Francesa Democrática de Trabalhadores) não sem provocar a cisão de setores importantes (os mineiros na Alsácia, entre outros, que continuam como CFTC-maintenue -“conservadora”).
Se a isto se acrescentar o sindicato setorial de quadros (a CGC), em cuja identidade não estão de todo ausentes os motivos ideológicos, hoje, a França tem cinco grandes confederações, além de outras menores.
Uma divisão que é fruto de algo mais fundo e oculto: o predomínio da realidade política e ideológica na vida sindical latina.
Analiticamente é possível distinguir aqui, com certa clareza, variáveis culturais e institucionais, que encarnam a intrahistória de tudo o que foi descrito.
- Variáveis culturais.
A primeira, e diametralmente oposta tanto à do modelo anglo-saxão como à do germânico, é que, na realidade econômica, o que se percebe como dominante não são os elementos que unem, porém os que opõem e separam.
Mais ainda, o espaço econômico não constitui um espaço em si, mas a expressão de outro, o político: o campo de jogo de uma luta que é, primária e fundamentalmente, ideológica e política.
A tendência da mística do conflito de melhor tradição marxista assentou-se como em nenhum outro lugar (e à margem de conotações de adesão explícita ao marxismo) na cultura econômica latina.
O conflito é um conflito redentor.
Somente a partir dele será possível chegar à harmonia, a uma harmonia que mereça o nome de humana.
Ao mesmo tempo, as relações econômicas são percebidas à maneira anglo-saxã, não à germânica, como contratuais de mudança.
De mudança desigual, em leitura política.
- Daí, como variável institucional, aparece a negociação.
Mas uma negociação que, ao contrário da tradição anglo-saxã, busca não o equilíbrio, mas a ruptura de todos os equilíbrios vigentes para chegar – um dia – a uma ordem melhor e definitiva.
A entrada dos sindicatos na empresa não é acompanhada de um desejo gestionário (germânico) nem funcionalmente bipolar (anglo-saxão), pelo contrário, como um cavalo de Tróia, introduz clandestinamente o inimigo na empresa.
Uma multidão de documentos sindicais contemporâneos na França e na Itália abonariam esta interpretação.
A única dúvida razoável que poderia permanecer é suscitada pela pergunta sobre qual a parte retórica é qual a parte real de uma política como esta em sociedades industriais avançadas.
Mas isto não negaria esta análise, só obrigaria a matizá-la mais do que o temos feito, com a técnica de brochadas rápidas, em função da exiguidade do espaço e da simplificação que todo esforço de modernização exige.
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Fonte: Antonio Marzal, é doutor em Direito e licenciado em Direito Comparado, Filosofia, Letras e Teologia. É também professor titular de ESADE e da Universidade Autônoma de Barcelona.