A tipologia descrita – e sem dúvida enriquecida com contribuições de outras disciplinas de trabalho – é a atual.
Melhor ainda talvez, a do passado sobrevivendo no presente.
Será também a do futuro a médio prazo, do qual este presente é apenas um estado embrionário?
Não é fácil responder a isto; a experiência das tentativas de prospectiva que se deram com tanto entusiasmo nos anos 70 obriga-nos a sermos precavidos diante de perguntas desse tipo.
Pode-se dizer que a situação existente durante o pós-guerra, que marcou esta tipologia que descrevemos, está sujeita pelos fatos a tendências fortes de mudança.
Três poderiam ser sublinhadas para concluir esta análise.
- A complexidade daquilo que nos anos 60 (embora com intenção diferente) se chamou sociedade pós-industrial é muito superior à relativamente mais simples sociedade saída da guerra, e nem falemos daquela do século XIX.
De alguma forma, toda sociedade se sindicalizou, no sentido de que todos os grupos ou coletividades (consumidores, estudantes, profissionais liberais, coletividades geográficas, etc) sentem-se chamados a organizar-se como sujeitos coletivos de interesses concretos, para cuja defesa é preciso unir-se.
O gráfico mostra as jornadas de oito horas perdidas por causa de greve para cada 1.000 assalariados, numa média anual extraída do comportamento trabalhista durante os anos de 1962 a 1972, época da máxima conflitividade trabalhista. Na elaboração das médias, não foram levados em consideração os anos de 1971, no caso japonês, nem 1968, no francês, visto que nestes anos se deram circunstâncias atípicas. Como se pode comprovar, nos países latinos é que se produz a maior conflitividade trabalhista, ao passo que nos países germânicos há uma baixa incidência.
A literatura dó momento começa a falar do nascimento de um corporativismo societário, como estrutura de sociedade civil, que se impõe nos fatos frente ao crescente poder político (por razões de eficácia) como poder gestionário.
Mas essa multipolaridade da sociedade civil do futuro não é a bipolaridade (capital-trabalho continental, labor-management anglo-saxã) do sindicalismo clássico.
Daí que a sindicalização da sociedade do futuro seja, ao mesmo tempo, uma dessindicalização do modelo clássico, tão solenemente consagrado pelas constituições do segundo pós-guerra, como um reconhecimento da história (como, por exemplo, a Constituição francesa).
A greve (o conflito social) e a negociação coletiva (o compromisso societário) são fenômenos que se estendem a todos os campos imagináveis, desnaturando o primitivo caráter de instituição, criando outro tecido social ao qual o sindicalismo clássico e a ação sindical clássica se verão objetivamente obrigados a adaptar-se.
- Por outro lado, o fenômeno crescente da grande empresa delineia, também objetivamente, o papel clássico dos sindicatos.
Foi este um fenômeno que a literatura social dos anos 60 já antecipou naquela época, ao analisar os efeitos da automação do processo produtivo nos comportamentos do trabalho.
Um livro de Blauner (Alienation and Freedom) chegou a predizer na época o ocaso dos sindicatos clássicos (plataforma de liberdade operária no século XIX), que se veriam suplantados pela empresa, como plataformas de integração e de liberdade do trabalho no século XX.
E Galbraith, nessa mesma época (The New Industrial State), julgou ver esta tese confirmada em estatísticas americanas.
Provavelmente, as coisas não foram como então se anunciavam, nem mesmo na América, onde se havia feito esta análise.
Mas também não se confirmaram outras análises paralelas feitas ao mesmo tempo na Europa, que indicavam (Serge Mallet, La nouvelle classe ouvrière) que, por fim, nasceria o verdadeiro sindicalismo revolucionário graças ao fenômeno da automação e das grandes concentrações de empresas na indústria de ponta, as de vanguarda.
O que permanece como dúvida razoável, em todo caso como questão aberta, é até que ponto o fenômeno moderno da grande empresa não afetará essencialmente os traços originais do sindicato clássico.
Com uma estrutura industrial desse tipo, é difícil que no futuro os sindicatos sejam o que sempre foram, sem experimentar significativas mudanças.
- Finalmente, a crise econômica atual, hoje aceita como algo estrutural e não meramente conjuntural (toda uma época, a da grande expansão econômica do pós-guerra que se encerra), não pode deixar de afetar a tipologia clássica dos sindicatos.
Kahn-Freund (Labour Relations: Heritage and Adjusíment, 1979) interrogou-se recentemente sobre a mudança da função dos sindicatos ingleses, chamados a realizar uma tarefa para a qual não nasceram e para a qual não estão historicamente preparados: a do ajuste dos mecanismos econômicos por necessidades da comunidade nacional, não do grupo nem da classe.
No continente europeu, Lyon-Caen (A Crise do Direito do Trabalho, 1984) analisou rigorosamente a intrahistória de alguns sindicatos, hoje condenados a utilizar o instrumento clássico da negociação coletiva, não para melhorar a cada ano os salários, mas para aceitar por autodisciplina seu rebaixamento.
O direito do trabalho só defende os interesses da empresa que assegura o emprego, o grande bem, o mais escasso.
Mas isto significa despolitizar e desideologizar radicalmente um movimento por motivos políticos e ideológicos.
Com isto, os sindicatos integram-se cada vez mais na sociedade, mas com a condição de serem cada vez menos o que originária e historicamente foram.
A perceptível tensão e até a ruptura entre retórica e política sindical, à qual nos referimos ao falar do modelo latino, esconde aqui suas raízes.
É difícil predizer como será o futuro dos sindicatos.
Mas o que sem dúvida se pode dizer é que nas ciências sociais nada é como foi.
Tudo é como será.
É o futuro como desafio e repto ao presente.
A parte empresarial e política terá que ser sensível, mesmo que seja só por realismo, às ineludíveis mudanças que irão produzir-se.
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Entenda o presente dos sindicatos
Entenda os sindicatos democrático-ocidentais
Fonte: Antonio Marzal, é doutor em Direito e licenciado em Direito Comparado, Filosofia, Letras e Teologia. É também professor titular de ESADE e da Universidade Autônoma de Barcelona.