Tudo o mais foi uma evolução normal e madura deste primeiro momento.
Uma evolução que foi dupla: jurídica e política.
A evolução jurídica
Para os sindicatos não era suficiente nascer de fato.
Era preciso que fossem aceitos pela sociedade (o direito).
Neste processo deram-se os quatro passos seguintes:
- Primeiro foi a proibição penal (recorde-se Smith). A sociedade apenas defendia-se daquilo que considerava uma ameaça. Dessa forma a sindicalização e a greve penetraram nos códigos penais, enquadrados como delitos. A justificativa foi manipulação sobre os preços. De fato, castigava-se com a prisão a realidade incômoda.
- Depois – por realismo e por oportunismo político (o Segundo Império na França, por exemplo) – a ação sindical foi saindo, paulatina e vacilantemente, dos códigos penais. O fato sindical converteu-se assim em algo que não era mais penalmente proibido, porém, lícito.
- Mas a realidade mandava. E o lícito, mas não proibido, tornou-se mais adiante (com diferentes cronologias: no primeiro terço do século XIX na Inglaterra; no último, na França) positivamente lícito; isto é, tornou-se direito (o direito sindical) mediante uma lei sindical específica ou uma lei genérica de associações para fins lícitos. Mesmo na atualidade pode-se perceber essa dupla estrutura, que respondeu, num princípio, às naturais reservas de um medo histórico operário. Mas em ambos os casos o resultado foi o mesmo. O fato sindical converteu-se num direito.
- Um direito que, com as duas guerras mundiais, tornou-se finalmente constitucional. O fato sindical converteu-se, desse modo, numa peça constitutiva da cultura e sociedade modernas. Como sua ação – a greve e a negociação coletiva, o fato sindical conquistou as liberdades constitucionais.
A evolução política
Paralelamente à evolução jurídica, foi perceptível outra política de funções e objetivos.
Menos linear e mais complexa, mais resumível também, em quatro passos, de certa forma sincrônicos com os primeiros.
- Num primeiro momento embrionário, os sindicatos foram essencialmente um movimento de defesa contra a sociedade industrial que penalizava a classe operária. A primeira ação sindical – a greve – foi a expressão primária e clara dessa etapa de defesa e resistência.
- Depois, o movimento ofensivo foi percebido como a melhor defesa. Começou a etapa de consolidação do sindicato como sujeito permanente frente a coalizões temporárias fracionadas em torno de uma ação concreta e como sujeito essencialmente político revolucionário, para destruir a ordem vigente imposta em suas próprias raízes. Todo o final do século XIX foi marcado por esse fato. Pode ser resumido numa frase da Carta de Amiens (1906): “desaparecimento do patronato e do regime assalariado”. O sindicato, “hoje agrupamento de resistência, será, no futuro, o grupo de produção e repartição, base da organização social”. E no horizonte de tudo isso, um instrumento infalível: “no caso de guerra entre potências, os trabalhadores devem responder à declaração de guerra com a declaração de greve geral revolucionária” (1914, CGT francesa).
- A guerra veio, mas para o sindicato não foi a confirmação da anunciada ruptura e sim, pelo contrário, sua entrada na sociedade. Alemães e franceses descobriram que era necessário salvar a pátria antes que a sociedade. O esforço de guerra necessário introduziu e associou os sindicatos na gestão das empresas, tanto na Alemanha, na França como na Inglaterra. Com isso, os sindicatos assumiram esta nova etapa e cresceram. De 600.000 sindicalizados passou na França a 2.000.000; de 4.000.000 a 8.000.000 na Inglaterra; de 200.000 para 4.000.000 nos Estados Unidos … A ação direta revolucionária do período anterior transformou-se em ação reformista sobre os poderes públicos. O poder sindical foi, desde então, um elemento a mais a participar da nova estrutura política.
- E um elemento essencial dela. Uma garantia da democracia frente aos fascismos. Se o sindicalismo revolucionário anterior a 1914 desprezou a democracia, o reformista saído de 1919 procurou renová-la e o sindicalismo de 1933-34, por ser antifacista, foi seu fiador. O reconhecimento constitucional do direito sindical não era, portanto, outra coisa senão o reconhecimento do poder sindical como elemento essencial de garantia da democracia, que triunfou na Segunda Guerra Mundial.
A evolução marginal
Há, finalmente, outra evolução, política ou jurídico-política, que poderíamos denominar marginal: sadia ou patológica, com relação à evolução geral analisada; sadia a do sindicalismo cristão, patológica, a comunista-soviética e fascista.
- O sindicalismo cristão.
O sabor de origem, socialista ou revolucionário, percebido como incompatível com a consciência cristã, foi a origem, no fim do século XIX ou início do XX, do nascimento de outros tipos de sindicatos – os cristãos.
Tratava-se de salvar o fato sem assumir a ideologia que originariamente o penetrava.
Sua organização (mais por ofícios que por setores econômicos) e sua filosofia (colaboração e justiça social ao invés da luta de classes) foram suas primeiras características, sobretudo a segunda, tal como rezam os artigos 1 e 2 de seus estatutos, que batizavam o nascimento (em 1919) da Confederação Internacional dos Sindicatos Cristãos.
Sua marginalização inicial com relação ao movimento geral deveu-se ao fato de terem sido acusados de amarelos*, apesar de contar logo com efetivos nada desprezíveis, mas a situação modificou-se durante os anos 30.
* Essa designação está ligada à expressão inglesa yellow-dog contract (agora considerado ilegal), em que o operário assinava um contrato comprometendo-se com o patrão a não entrar para nenhum sindicato.
A luta antifacista comum ajudou nisto.
A evolução do movimento sindical durante a Segunda Guerra Mundial acentuou o movimento de aproximação que se tornou mais insistente com a evolução político-cultural da própria Igreja.
Um exemplo concreto foi a transformação (1964) da CFTC (Confederação Francesa de Trabalhadores Cristãos) na CFDT (Confederação Francesa Democrática dos Trabalhadores).
Humanismo socialista foi a nova filosofia, que já era a comum de todos os sindicatos que procediam do primitivo movimento.
- O sindicalismo comunista-soviético.
O ano de 1919 marcou também a fundação da III Internacional ou Internacional Comunista.
Comunismo frente ao social-reformismo.
Desta III Internacional surgiu a Internacional Vermelha de Moscou (sindicatos comunistas) frente à Internacional Sindical de Amsterdam (sindicatos livres).
O sindicato, de interesse secundário para a teoria marxista em favor do protagonismo da realidade política, foi decididamente atrelado a esse otimismo pela tradução que se impõe com Lênin: o sindicato como “escola de comunismo”, como “correia de transmissão entre o partido e as massas”, as massas sem partido.
Sua consolidação internacional foi o “Ide às massas” do III Congresso da Internacional Comunista (1921), que exigia dos partidos comunistas que dominassem os sindicatos.
“O partido dirige toda a parte ideológica da atividade dos sindicatos.
A eleição da direção sindical faz-se sob o controle e a direção do partido”. (X Congresso do Partido Comunista da União Soviética, 1921).
A estrutura, em regime capitalista ou socialista, é a mesma – correia de transmissão.
Só difere em sua finalidade: destruir o poder político dentro do regime capitalista; lutar por sua consolidação, no caso do regime socialista.
Neste último caso, “aumentando o rendimento, promovendo trabalhadores exemplares, combatendo os burocratas que paralisam a emulação socialista …” (1930, XVI Congresso do PCUS); “ajudando os organismos econômicos e públicos que dirigem a produção, animando cada operário a conseguir a maior quantidade e qualidade de produção…”; “fomentando a melhoria de condições operária, sobretudo fora da fábrica”; “formando ideologicamente os operários” (Guia Oficial Sindical de 1938).
Essa evolução continua constante nos países comunistas (aqui se inscreve o caso polonês do sindicato Solidariedade, por exemplo).
- O sindicalismo fascista.
Caso se excetua a diferente concepção política a serviço da qual se encontra (“a concepção de que acima das classes existe uma pátria”, como diz a Carta Econômica do Faseio, em 1922), nem orgânica nem estruturalmente difere o sindicalismo fascista do soviético-comunista.
O conceito estatista dos sindicatos é o mesmo.
“Vós” – diz aos sindicatos na Itália, em 1930, o secretário do partido – “constituís a base do Estado. Não porque o Estado viva por vós, mas porque disciplina e regula vossas funções e vossas atividades.
Fora desta expressão do Estado, voltareis ao nada”.
Voltar ao nada era voltar à evolução genérica sindical analisada, de efetivos nada desprezíveis (em 1920, na Itália, 500.000 filiados à União Italiana do Trabalho Sindicalista, 1.660.000 na Confederação Geral de Trabalhadores, 1.000.000 na Confederação Italiana de Trabalhadores Católicos).
Para esta volta imposta ao nada, duas técnicas foram empregadas historicamente: a supressão pura e simples, substituída por uma organização política (o Arbeitsfront, na Alemanha); ou a liberdade tolerada, mas junto a um único sindicato reconhecido – o fascista – para a negociação coletiva e sua posterior dissolução, por integração, nas corporações fascistas italianas (o nacional-sindicalismo espanhol, o corporativismo salazarista, o peronismo … são variantes dessa dupla fórmula).
Mas em todos o princípio é o mesmo e comum com a concepção leninista de “escola de educação” (comunismo ou fascismo) e “correia de transmissão”.
“As hierarquias do sindicato recairão necessariamente nos militantes” do partido. (Parágrafo XIII da Legislação Trabalhista Espanhola de 1938).
É preciso sublinhar uma única diferença nesta evolução patológica: os fascismos caíram, o comunismo soviético continua.
Leia mais em:
Entenda o presente dos sindicatos
Entenda os sindicatos democrático-ocidentais
Entenda o futuro dos sindicatos
Entenda o nascimento dos sindicatos
Fonte: Antonio Marzal, é doutor em Direito e licenciado em Direito Comparado, Filosofia, Letras e Teologia. É também professor titular de ESADE e da Universidade Autônoma de Barcelona.