Os sindicatos são filhos da sociedade industrial.

Nasceram com ela.

Da organização do trabalho gerada por ela.

De suas rupturas, de seus fracassos, de suas buscas e problemas.

O desaparecimento da ordem gremial

Os sindicatos nasceram do vazio que deixou o desaparecimento das corpora­ções de ofício que organizavam o traba­lho dos artesãos na sociedade pré-­industrial.

Essa ordem gremial talvez fos­se primariamente uma organização eco­nômica que fixava, em função da produ­ção, os preços (os salários) máximos, não os mínimos.

Mas por isso mesmo era uma organização social, uma associação de trabalhadores impregnada de hierarquia e solidariedade.

A sociedade industrial – pela separa­ção capital/trabalho – implodiu essa organização, deixando um vazio.

E criou, além disso, uma cultura individualista que legitimaria esse vazio.

A organização sócio econômica já não seria associativa, mas individual.

O decreto D’Allard (mar­ço de 1791), organizador da nova vida econômica, era taxativo:

“É livre, para qualquer pessoa, o exercício da profissão, arte ou ofício que lhe pareça bom”.

De forma negativa, a Lei de Chapelier (ju­nho de 1791) confirmava o mesmo princípio:

“Fica proibido aos cidadãos do mesmo estado e profissão reunir-se e no­mear um presidente (…) manter registros, tomar decisões, fazer regulamentos em torno de seus pretendidos interesses comuns”.

Para a cultura e o direito vigen­tes na época, os que hoje chamamos in­teresses coletivos não passam de falsos in­teresses:

“Já não há outro interesse a não ser o interesse particular de cada indiví­duo e o interesse geral.

E a ninguém é per­mitido inspirar aos cidadãos um interes­se intermediário da coisa pública por um espírito de corporação”.

A ruptura esta­va consumada.

O fracasso da nova ordem

Infelizmente consumou-se também de maneira rápida o fracasso.

O mercado, a mão invisível de Adam Smith não trou­xe a prosperidade anunciada para todos por Mercier de la Rivière em 1767 (“a maior felicidade possível, para a maior população possível”).

O que trouxe foi apenas a destruição do quadro coletivo até então existente e uma incipiente cons­ciência de luta em função de uma reali­dade que, negada pelas leis, se revelara nos fatos como de interesses opostos.

O realismo anglo-saxão de Adam Smith (1776) foi, neste ponto, contundente: “Patrões e operários não têm os mesmos interesses absolutamente.

Os operários desejam ganhar o máximo possível; os patrões, dar o menos possível.

Os primei­ros estão dispostos a entrar em acordo pa­ra elevar os salários; os segundos, para baixá-los”.

O quadro real, constatado por Smith (apesar de sua idílica versão do mecanismo do mercado), era entretanto, incom­patível com a teoria defendida.

Por isso teve que ser – para apoiar o mercado – duramente negado pelas leis.

Embora fosse melhor dizer desigualmente negado.

Tolerou-se para os patrões que, interes­sados em baixar os salários, reforçavam sem saber o movimento do mercado, ao passo que se negou aos operários que, em­penhados em aumentar seus salários iam frontalmente contra esse movimento.

Se­gundo as palavras de Smith, “os patrões são autorizados ou, pelo menos, não se lhes proíbe entrar num acordo, ao passo que se proíbe isto aos operários.

Não temos leis no Parlamento contra as associações que buscam baixar o preço da mão-de-obra, mas são muitas as que te­mos contra as associações que procuram elevá-lo”.

Mas negada pela teoria e pe­las leis dos parlamentos, a realidade – dura, como toda realidade – acabou emergindo.

Juntamente com a destruição da velha ordem gremial e junto com o fra­casso da nova ordem individualista ou, melhor ainda, a partir daquela destruição e deste fracasso consumados, emergiu uma nova ordem coletiva.

Este quadro trouxe consigo o sindicalismo moderno.

As primeiras associações

No início só houve tentativas, proble­mas e buscas.

Buscas que se defrontavam com um novo problema, o da miséria operária:

‘‘Esta multidão de crianças pá­lidas, magras cobertas de farrapos, que chegam descalças debaixo de chuva, no meio do barro, com um pedaço de pão na mão que as alimentarão até sua vol­ta” – segundo o informe Villerméde 1846 – permanecem todos os dias de dezesseis a dezessete horas de pé, pelo menos treze delas num ambiente fechado, sem mudar de lugar nem de posição.

Não é um trabalho nem uma tarefa, apenas uma tortura infligida a crianças de seis a oito anos, malvestidas e obrigadas, des­de a cinco da manhã, a percorrer a longa distância que as separa da oficina que acabará por esgotá-las com a volta.

“As­sim sendo, não é de estranhar que por to­da a Europa ressoasse um grito e um de­sejo: “associação ou morte”, o lema da bandeira içada em Barcelona (1855) con­tra o partido anti-associacionista do gover­nador da Catalunha”.

No início, esse movimento associativo foi de orientação primária e fundamentalmente mutuarista.

A miséria operária, característica do século XIX, tornava-se particularmente visível na doença e no desemprego, os dois açoites que impediam de trabalhar.

Era, portanto, preciso organizar-se solidariamente para curar es­ta chaga de que sofriam os operários.

Mas a doença e o desemprego não eram a raiz de tal chaga, mas apenas seus sintomas.

É necessário organizar-se mais amplamente em associações de resistên­cia, para tornar-se forte na negociação co­letiva e na greve.

E um dia, as caixas mutualistas se converterão, quase sem dar-­se conta, em caixas de resistência.

Neste dia nasceram os sindicatos operários modernos.

A função mutualista (de seguro social) passou um dia para o Estado (Bismarck), e o que permaneceu foram os sindicatos, já essencialmente configurados em sua estrutura funcional e ideológica tal como hoje os temos.

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Como entender o sindicalismo

Fonte: Antonio Marzal, é doutor em Direito e licenciado em Direito Com­parado, Filosofia, Letras e Teologia. É também pro­fessor titular de ESADE e da Universidade Autô­noma de Barcelona.

Categorias: RECURSOS HUMANOS