A distinção entre fontes espontâneas e fontes negociadas de recursos é utilizada, normalmente, para precisar o conceito de necessidades operacionais de fundos, de grande importância na administração financeira de curto prazo.
Uma definição aproximativa das fontes espontâneas tende a caracterizá-las como aquelas com as quais se pode contar pelo simples fato de ter um negócio em andamento.
Contudo, é evidente que esta definição é apenas uma primeira abordagem, porque usa como critério de classificação um traço externo que não explica, portanto, as características diferenciais internas de cada grupo de fontes.
Para aprofundar o tema, estudam-se as três fontes de financiamento mais importantes no curto prazo: fornecedores, desconto, empréstimos e créditos.
Um aspecto capital da administração financeira de curto prazo é a política de financiamento arbitrada para enfrentar as necessidades operacionais de fundos, em sua dupla dimensão de permanentes e flutuantes. A distinção entre fontes espontâneas e negociadas assume então todo o seu vigor, já que permite responder à questão levantada a todas as empresas ao estabelecer uma previsão adequada das necessidades operacionais de fundos. Que parte delas deve ser financiada mediante a drenagem dos ativos líquidos, e qual deve ser financiada mediante o recurso ao endividamento de curto prazo? Os três gráficos da figura apresentam as alternativas que a empresa pode considerar. No GRÁFICO A, a estrutura do passivo acopla-se de forma harmônica com a do ativo. No GRÁFICO B, parte do crescimento das necessidades operacionais de fundos de caráter permanente é financiada através do endividamento de curto prazo. No GRÁFICO C, a empresa tem uma reserva de ativos líquidos (valores e investimentos) que drena para financiar as exigências periódicas de necessidades operacionais de fundos. A estratégia adequada estará em função da concorrência e do risco da conjuntura e da situação interna do mercado do setor.
Crédito de fornecedores
Tradicionalmente, considerou-se o crédito de fornecedores como uma fonte espontânea de recursos, já que é natural que, se uma empresa concede crédito a seus clientes, os fornecedores por sua vez o concedam a ela através de pagamento a prazo.
De tudo isto poder-se-ia deduzir que o financiamento obtido dos fornecedores é gratuito e, por conseguinte, o primeiro que deve ser esgotado.
Muitas vezes isto não é certo devido ao fato de que existem descontos por pagamento à vista, e isto significa que, se a empresa prestaria não recorre a eles para desfrutar de um pagamento a prazo, não há lucro cessante.
Este tipo de financiamento tem, então, um custo.
Vejamos um exemplo que ilustre o modo como se calcula este custo.
Suponha que um fornecedor ofereça um desconto de 4% pelo pagamento dentro dos primeiros 15 dias ou pague o líquido em 90 dias.
Qual será o custo do dinheiro se se paga em 90 dias?
Sobre uma fatura de 100, pode-se raciocinar assim:
Caso se pague aos 15 dias, o desembolso efetuado será 96; caso não se pague nesta data, o financiamento obtido será de 75 dias (90-15), pelos quais se pagará um custo de 4 (paga-se então 100, que são os 96 a prazo e mais 4).
O custo para 75 dias é, pois, de 4,17% (4/96).
Para transformar este custo numa porcentagem anual, não basta fazer a proporção em função do número de dias, já que pelo efeito acumulativo é preciso aplicar as regras do juro composto.
O custo anual será:
1,0417365/75 – 1 = 0,22
A empresa, por não ter recorrido ao desconto de 4% por pagamento à vista, comprovará que o financiamento através de fornecedores lhe custa 22% ao ano.
Se for possível conseguir créditos a juros menores, será vantajoso utilizá-los para pagar à vista os fornecedores.
O financiamento com fornecedores não só não é grátis, mas em certas ocasiões é até bastante caro.
Se em lugar de 4% se tratasse de 5%, a porcentagem de custo anual nas mesmas condições anteriores se transformaria em 28,35%.
Ao calcular estes custos, com frequência pergunta-se como o fornecedor pode ter interesse em oferecer estes descontos pelo pagamento à vista.
Mas ao se inverterem os termos da pergunta, seria o caso de interrogar-se: acaso há interesse para a empresa em oferecer estes mesmos descontos a seus clientes?
Do ponto de vista daquele que oferece o desconto, se o cliente recorre a ele, o financiamento assim obtido tem o mesmo custo que para o cliente que decide não fazê-lo.
Não obstante, do ponto de vista do fornecedor, o desconto não é só o custo do financiamento, mas também de certo modo inclui o custo do seguro de cobrança.
O desconto é concedido no momento de cobrar, e então a cobrança já é seguro porque já se produziu.
Visto nesta perspectiva, o custo pode não ser caro, embora o seja para o cliente, que em qualquer caso precisa pagar.
O cliente que não recorre ao desconto por pagamento à vista, na realidade paga um prêmio pelos que fizeram como ele e terminarão por não pagar.
Os três círculos, que correspondem às três empresas cuja atividade máxima está em função da estação do ano de que se trata, mostram os meses transcorridos entre o momento em que se recebem os pedidos das mercadorias e aquele em que a empresa normalmente recebe o pagamento.
Desconto de duplicatas
O desconto de duplicatas é uma das modalidades de crédito de curto prazo mais utilizadas em muitos países modernos.
Concede-se com relativa facilidade e seu funcionamento é bastante simples e automático.
Existem nada menos do que três razões pelas quais o custo real do desconto como fonte de financiamento é maior do que a taxa nominal que se aplica às remessas.
Como este é um ponto que deve ficar claro, analisam-se, a seguir, estas razões.
Em primeiro lugar, está o efeito do esticão.
Os juros são descontados no início; com isto a quantidade recebida a crédito é menor do que o nominal e o juro real é maior.
Este efeito é bem conhecido, embora não seja bem avaliado.
Outro efeito mais sutil e muito menos conhecido é o da periodização do juro.
Os juros nominais expressos em tantos por cento anual traduzem-se em juros aplicáveis a um tempo inferior em proporção simples ao tempo; isto significa que também aumenta a taxa real.
A forma de transformar um juro anual de 18% para um juro de dois meses é aplicar um 3% (18/6).
Mas um 3% bimestral não equivale a um 18% anual.
Mais uma vez, pelas regras do juro composto (o processo é acumulativo), 3% bimestral representa, então:
(1,036 – 1) x 100 = 19,4%
Por último, está o efeito das contas compensatórias, que, ao distinguir a quantidade de dinheiro realmente disponível, fazem também subir o tipo de juro real pago.
O traçado que seguem as curvas de entradas das vendas no varejo (em vermelho) e o que corresponde aos créditos solicitados pela empresa para financiar sua atividade (em azul) mostra a relação entre as dívidas de curto prazo e as entradas obtidas na campanha.
O esticão em situações hiperinflacionárias
Uma estória ilustra claramente as consequências do efeito do esticão, acontecida num país ibero-americano.
O anúncio por parte de um banco deste país (que daqui por diante será chamado banco Y) da concessão de empréstimos anuais de 50% de juros chamou a atenção de um empresário (daqui por diante X), visto que as características da inflação e as taxas normais de juros (expressas já então como juros mensais) correntes neste país tornavam realmente interessante o empréstimo a 50%.
Quando X pediu informações, o responsável esclareceu que os empréstimos eram de 50% ao ano porque os juros eram cobrados de uma só vez ao ano, “para maior comodidade do banco e do cliente”, cobravam-se no início, “para que o cliente não tivesse que preocupar-se mais com o assunto”.
Estupefato diante de um abuso destas características, X fingiu o maior interesse por este tipo de empréstimos e perguntou se poderia obter um empréstimo desta natureza, mas a um prazo de três anos, argumentando que precisava dele para instalar uma indústria de beneficiamento de algodão, razão pela qual precisava de um prazo mais longo.
O empregado responsável, surpreso diante desta solicitação, pediu conselho por telefone à direção do banco Y.
A resposta da direção foi que, desde que se cumprissem as mesmas condições que nos empréstimos de um ano, a operação poderia ser estudada.
O empregado calculou o montante total do empréstimo mais juros, e transmitiu a X o seguinte:
“De entrada você receberia 100, mas como os juros de três anos a 50% são 150, se agora nos pagar 50 não terá que preocupar-se durante três anos até a devolução dos 100”.
Um exemplo ilustrará melhor as três razões pelas quais o verdadeiro custo fica distorcido.
Suponha os seguintes dados:
Juro nominal = 18%
Prazo da remessa = 2 meses
Contas = Média 30% do saldo descontado compensatórias
Pode-se calcular o custo real do desconto assim: para cada 100 unidades descontadas a 2 meses deduzem-se 3 (18% / 6 = 3%).
Recebem-se, pois, 97, mas na realidade não se dispõe de mais do que 67, porque 30 estão bloqueadas; portanto, se pagamos 3 unidades por dispor de 67 durante 2 meses, o juro bimestral é:
Juro bimestral = 3 / 67 x 100 = 4,48%
Isto equivale a um juro anual de:
(1,04486 – 1) x 100 = 32,48%
De 18% passou-se praticamente a 32,5%.
A responsabilidade deste aumento de 14,5% reparte-se entre as três razões indicadas da seguinte forma:
Efeito do esticão = 2,0%
Periodização do juro = 1,4%
Contas compensatórias = 11,1%
Créditos e empréstimos
Muitas empresas resistem antes de pedir créditos e empréstimos às entidades financeiras porque lhes parece que os juros são muito caros.
Cabe esperar que os cálculos anteriores em relação ao custo do desconto e do financiamento por fornecedores contribuam para elevar o crédito à categoria de alternativa digna de consideração.
Entende-se por créditos as quantidades cedidas pelas entidades financeiras em forma de contas de crédito sobre as quais se pagam juros sobre os saldos, afora algumas comissões sobre o maior saldo disponível ou sobre o total da apólice.
O termo empréstimo utiliza-se, pelo contrário, para denominar aquelas operações caracterizadas por um calendário de entregas e devoluções preestabelecido.
Os juros pagam-se também sobre os saldos disponíveis em cada momento, independentemente de que estes fiquem ou não depositados (em sua totalidade ou em parte) na própria entidade financeira que concedeu o empréstimo.
Uma forma corrente é a que ordinariamente apresentam os empréstimos hipotecários, estabelecendo-se algumas quantidades constantes a devolver de forma periódica (normalmente cada semestre ou cada trimestre), que incluem juros e devolução.
Sendo constante a quantidade do pagamento periódico, isto significa que, ao longo do tempo, a quantidade paga por juros diminui e, em compensação, a quantidade paga por devolução aumenta progressivamente.
Mas a quantidade paga por juro corresponde à aplicação da taxa ao saldo ainda não devolvido.
O custo dos créditos sobre o saldo disponível costuma ser um pouco maior do que o dos empréstimos.
Isto é lógico porque um empréstimo permite à entidade financeira uma programação exata de sua tesouraria, ao passo que numa conta de crédito as questões referentes à tesouraria ficam ao livre arbítrio do prestatário.
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Fonte: Josep Faus – Doutor em Administração de Empresas pela Universidade de Harvard e professor do Instituto de Estudos Superiores de la Empresa – IESE.