Chegado o momento de explicar as razões da implantação generalizada e frequente das empresas públicas, os economistas mostram sintomas de perplexidade: é difícil encontrar um fio condutor que le­ve a todas e a cada uma das manifestações do fenômeno.

O exame do panorama atual leva antes a afirmar que não é o resultado de uma atuação sistemática, racionalmen­te calculada e planejada, mas a soma de respostas ocasionais independentes de problemas específicos surgidos em cada país.

Não parece que historicamente tenha havido uma política clara ou um modelo uni­forme na atuação do Estado.

Luta contra a crise

Alguns exemplos sublinham a afirmação anterior.

Certamente, em algumas oca­siões a empresa pública foi utilizada como instrumento de luta contra uma crise econômica e o desemprego.

Na Itália, boa par­te das empresas integradas na holding estatal Instituto Per la Riconstruzione Industriale (IRI) foram nacionalizadas ao enfrentar graves problemas, durante a crise mundial de 1929.

Para evitar o impacto que o seu fechamento produziria sobre o desemprego, só uma solução era possível: o Estado devia converter-se em empresário e assumir o papel de salvador.

Não foi uma medida de política econômica positiva, mas a manifestação de uma atitude defensiva.

Não foi possível fazer uma solu­ção objetiva dos setores onde se ia inter­vir, visto que as ocasiões se apresentaram ao sabor dos ventos da crise, que com tanta força sopravam no mundo ocidental.

A Áustria também apresenta uma proporção enorme de sua atividade produtiva em mãos públicas: na época julgou-se que a reconstrução da sua economia, destruí­da pela Segunda Guerra Mundial, deveria ser feita por esse caminho.

Ao contrário disso embora em situação idêntica no mes­mo momento, a República Federal da Alemanha deixava em mãos privadas o timão da reconstrução econômica, e até transfe­ria para particulares algumas empresas, co­mo a Volkswagen, que haviam gozado da condição de públicas em épocas anteriores.

Atividades estratégicas

Às vezes afirma-se que certas atividades, por seu caráter essencial ou estratégico para o funcionamento da economia, não podem ser deixados em mãos privadas, já que estas só visam ao lucro e a curto prazo.

O transporte ferroviário e a produção de eletricidade, por exemplo, têm necessidade de uma ação global e exigem uma atenção especial para os efeitos indiretos que propagam sobre o conjunto da economia.

Mas a verdade é que em vários países europeus a origem do monopólio estatal do trans­porte ferroviário encontra-se nas sucessivas situações de insolvência das empresas privadas que o exploravam.

Nos Estados Unidos e no México, pelo contrário, o transporte por ferrovia está em mãos de particulares.

Quanto à produção e distribuição de energia elétrica, as situações também são idênticas.

Na França a Eletricité de France e na Itália a ENEL são empre­sas públicas que gozam praticamente do monopólio da geração da eletricidade porque, afirmam seus defensores, assim se consegue um melhor aproveitamento e uma coordenação mais eficiente das instalações.

O gráfico mostra as fontes de financiamento das empresas públicas francesas, após a primeira grande crise do petróleo. Percebe-se a brusca queda do autofinanciamento e um aumento nos créditos de longo prazo.

Na República Federal da Alemanha, embora a maior parte dessa atividade esteja em mãos públicas, são muitas as pequenas empresas municipais que também a exploram.

Nesse caso, a coordenação não é automática, e às vezes é até inexistente.

Em outros países, como a Espanha, a situação é mista: empresas públicas e privadas se encarregam de gerar a eletricidade necessária.

Existem outros casos aparentemente anômalos.

São aqueles em que a empresa pública constitui uma exceção no conjunto do setor.

A nível mundial, a indústria do automóvel é prevalentemente privada.

Uma exceção bem conhecida é a Régie Renault, da qual é titular o Estado francês, que compete em escala nacional ou internacional com firmas nas quais o lucro é o objetivo dominante.

Justifica-se essa exceção pelo caráter de laboratório social, ou até de fornecedor de informação sobre o setor do automóvel à administração, que a Renault desempenha.

A razão de sua nacionalização porém é política e prende-se à atitude de seus antigos proprietários ao colaborar com os invasores nazistas.

Nos Estados Unidos, a Tennessee Valley Authority (TVA) é uma entidade, com uma forma jurídica tipicamente anglo-saxã, criada com a finalidade primordial de controlar e aproveitar o potencial do Rio Tennessee.

Hoje se dedica à produção e distribuição de energia elétrica, ao fornecimento de água e a outras atividades complementares.

Todas elas são subproduto do objetivo inicial, que era a regularização da vazão do rio.

A realidade estatística

O mosaico dificilmente integrável, que é a empresa pública em sua manifestação atual, levaria muitos autores a afirmar que sua realidade não corresponde a concepções ideológicas nem a formulações doutrinárias; que o Estado utilizou a empresa pública como um instrumento econômico e político cuja aplicação foi decidida caso por caso.

Assim, seria inútil tentar reconstituir a posteriori um processo errático e submetido a modas e vaivéns, a situações conjunturais de extrema gravidade que obrigam a tomar medidas drásticas.

Uma conclusão tão unilateral peca pe­lo exagero, visto que é possível observar determinadas regularidades estatísticas.

Haverá exceções, mas não há dúvida, por exemplo, que as empresas públicas são em número muito maior no setor elétrico do que no da construção ou no têxtil.

Tam­bém não há dúvida de que em muitas ocasiões as empresas públicas operam em condições de monopólio: comunicações telefônicas, transporte ferroviário, fornecimento de água, etc.

Em compensação, raramente atuam em setores com uma estrutura altamente competitiva, como podem ser os casos do comércio varejista ou da alimentação.

Não se pode negar que os resultados eleitorais, responsáveis por mudanças no governo, modifiquem o papel do Estado como empresário.

Na Grã-Bretanha, um triunfo do Partido Trabalhista supõe algumas nacionalizações de empresas, que às vezes voltam ao setor privado quando o Partido Conservador chega ao poder.

Também não é nenhuma causalidade que na França o triunfo do Partido Socialista repercutisse na nacionalização do importante setor bancário e de algumas grandes empresas industriais; e que sua recente der­rota influenciasse no sentido oposto.

Leia mais em:

Entenda os porquês da empresa pública

Entenda os extremos ideológicos

Entenda a eficiência e resultados da empresa pública

Como entender a empresa pública

Fonte: Antonio Serra Ramoneda – Doutor em Ciências Econômicas e reitor da Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha.