Há coincidências dentro da disparidade e da diversidade que merecem ser analisadas na busca de uma explicação.

Tam­bém se deve reconhecer que a atuação po­lítico-econômica tende a racionalizar-se e a intervenção estatal a responder a um programa preconcebido e coerente.

O Estado não adota uma postura simplesmen­te passiva, mas utiliza a empresa pública como um dos instrumentos do arsenal de que dispõe para conseguir seus objetivos.

A explicação neoclássica ou liberal

Mesmo aqueles que creem a priori na eficácia da iniciativa privada e no bom funcionamento do mecanismo de mercado aceitam a possibilidade de o Estado assumir o papel de empresário em casos bem determinados.

O laissez faire, laissez passer ainda hoje é seu princípio essencial, mas reconhecem que excepcional­mente pode ser posto de lado.

Tais exceções baseiam-se nas características de cer­tos bens que dificultam ou impossibilitam medir seu nível de produção pela norma do lucro, do interesse privado e do funcionamento estrito do mercado.

Em ou­tras palavras, às vezes o mercado e a iniciativa privada são bases adequadas so­bre as quais apoiar um processo de produção e distribuição.

Então o Estado está legitimado para intervir e cobrir as insuficiências observadas no desenvolvi­mento normal e ortodoxo do processo de alocação de recursos.

Essas ocasiões, que são sempre excepcionais, podem ter causas distintas.

A primeira se apresenta quando as condições de tecnologia e/ou de demanda tornam inviável um grau mínimo de competição em determinada atividade.

Embora não cubra exatamente todas as eventualida­des, esta primeira causa pode ser atribuí­da ao monopólio natural.

Que significa e quando se dá concretamente a inviabi­lidade da concorrência ou a existência de um monopólio natural?

De um ângulo liberal, a iniciativa privada e o mecanismo do mercado levam a estruturas competitivas: várias ou muitas empresas lutam para conquistar o maior espaço possível dentro de seu mercado; essa luta redun­da no melhor preço possível para os compradores, o que cobre o custo de produção e só deixa uma margem normal de lu­cro.

Se circunstancialmente isto não fos­se assim os lucros extraordinários que as empresas conseguiriam inevitavelmente atrairiam novos produtores que tornariam a luta encarniçada, e com isto voltaria a baratear-se o preço, até situar-se bem perto do custo de produção.

Más há ocasiões em que este esquema, formalmente tão elegante, não serve, como quando a tecnologia faz com que o custo médio, o custo por unidade, decresça dentro das dimensões que o mercado tem.

Um exemplo numérico esquemático, e portanto, bastante simplificado, permitirá delimitar o problema.

Suponha-se que, de acordo com os conhecimentos tecnológicos existentes, o tamanho ótimo de uma indústria, do ponto de vista dos cus­tos de produção, equivalha a uma capacidade instalada de 50.000 unidades físicas/mês.

Toda produção inferior impli­ca em custos unitários mais elevados e, portanto, também em maior preço de venda.

Se o mercado tem dimensões re­duzidas, e em qualquer caso a demanda não chega a absorver, nem a preço nulo, mais do que 40.000 unidades/mês, a eficiência técnica aconselha a existência de uma só empresa oferente.

Mais ainda: se o Estado não intervém a situação tende a degenerar para um monopólio.

Haveria sempre uma empresa que poderia praticar uma política de preços discriminatória capaz de eliminar seus competido­res e impedir a entrada de novos produtores.

Essa empresa gozaria de um poder econômico incompatível com a concepção liberal, que vê na concorrência a condição necessária e até suficiente para o funcionamento correto da economia.

Formas de intervenção estatal

Quando a tecnologia e o tamanho do mercado fazem de uma atividade um terreno vedado à concorrência, o Estado deve intervir.

Mas não é necessário que a intervenção seja de forma direta.

Como ponto de partida está o reconhecimento do monopólio e a atribuição de sua exploração a uma só empresa, mas não necessariamente uma empresa pública.

Po­de ser privada, mas nesse caso a conces­são do monopólio legal traz consigo uma série de limitações ao poder de decisão da unidade correspondente.

Esta é uma solução que nos Estados Unidos se aplica com maior frequência e dá origem às pu­blic Utilities, cuja política de preços fica subordinada às autorizações da comissão delegada do poder público sancionador do monopólio legal.

Na Europa, a fór­mula equivalente é a concessão administrativa a uma empresa privada.

Nem todos creem, contudo, que esse tipo de solução seja o correto.

A experiência e a literatura especializada expuseram as dificuldades que se opõem a um controle estrito da empresa privada monopolista por parte do governo, em defesa dos interesses dos consumidores.

A segunda via consiste, então, em atribuir a atividade considerada como monopólio natural a uma empresa pública.

Assim o controle se exerce diretamente; a atuação da empresa corresponderá sempre às diretrizes que o órgão público correspondente julgar conveniente emitir.

O fato de se escolher uma outra solução dependerá de considerações nas quais a ideologia forçosamente exerce um papel.

Não é de estranhar que nos Estados Uni­dos se prefira a empresa privada, sem dúvida submetida a restrições, ao passo que em muitos países europeus as preferências se inclinam para a pública.

Do que ficou dito, depreende-se que os monopólios naturais existirão sobre­tudo naquelas atividades que exigem uma forte intensidade de capital e se imponham elementos indivisíveis de grande capacidade que exijam um elevado volume de produção para seu pleno aproveitamento.

A produção de energia elétrica e o fornecimento de água são exemplos bem conhecidos e frequentemente citados.

E a eles poder-se-ia acrescentar o transporte ferroviário, as comunicações por satélite e outros exemplos não desprezíveis, ainda que menos conhecidos.

Os bens semi-públicos

Uma segunda razão para a intervenção estatal decorre da existência de bens “semi-públicos”, assim chamados porque geram efeitos diretos recebidos por quem os consome e portanto, quem decide comprá-los, e efeitos indiretos sobre o resto da sociedade que participa da transação.

O transporte público urbano é um exemplo típico ao qual a maioria dos autores recorre.

Se, em vez do automóvel particular, um cidadão utiliza um meio coletivo – bonde, ônibus, metrô – a fim de deslocar-se de seu domicílio para o local de trabalho, ele reduz a contaminação atmosférica, o ruído, o congestionamento do trânsito e, portanto, os incômodos que os seus concidadãos sofrem.

Estes são os efeitos indiretos, ao passo que os diretos são aqueles que, em forma de comodidade, tempo, segurança, recebe aquele que faz a escolha.

Quando os efeitos indiretos são consideráveis comparados com os diretos, o mercado deixa de funcionar corretamente porque, no preço que o usuário paga, esses efeitos indiretos não são levados em conta.

O produtor pretenderá, como é lógico, recuperar com seu preço todo o custo mais a margem de lucro que o mercado permite.

No transporte público, este pre­ço levará a um nível de utilização infe­rior àquele que a sociedade desejaria pa­ra evitar o congestionamento, o ruído e a contaminação.

Então acaba sendo socialmente interessante reduzir o preço, a tarifa, abaixo do montante que o merca­do livremente fixaria.

Assim se tornaria mais atraente o transporte coletivo fren­te ao particular, e se incrementaria a sua utilização.

Como conseguir, porém, que a empre­sa de transporte coletivo não aplique o preço que resulta do jogo da demanda e da oferta, e para fixá-lo considere os efei­tos diretos?

Há dois caminhos possíveis.

Um consiste em impor limitações à sua atuação, em troca de certas compensações que eventualmente podem ser econômicas, como uma subvenção.

A outra é que o próprio Estado explore a ativi­dade através de uma empresa pública.

So­bre as vantagens relativas de uma ou ou­tra hipótese há muitas opiniões; não há dúvida de que, quando a importância dos efeitos indiretos é tal que para consegui-los o preço deva situar-se mesmo abaixo do custo de produção, a determinação da subvenção se torna difícil e a balança pa­rece inclinar-se para a segunda das soluções expostas.

E, efetivamente, em muitas cidades de diversos países o transporte coletivo está em mãos públicas e o gover­no arca com as perdas devidas à insufi­ciência dos preços para cobrir os custos.

As explicações político-econômicas

Muitos não compartilham a fé abso­luta no mercado, que é o ponto de parti­da da argumentação liberal, e entendem que o Estado deve intervir, com os instrumentos de que dispõe, na atividade econômica em múltiplas ocasiões.

O fenômeno a explicar é o crescimento do intervencionismo público no funcionamento econômico; a evolução das empresas públicas é apenas uma manifestação a mais do fenômeno.

Grosso modo, pode-se dizer que hoje em dia existem três finalidades essenciais na política econômica estatal: o pleno emprego, o crescimento da produção e uma distribuição da renda, tanto populacional como geográfica.

Não há segu­rança de que a iniciativa privada, por si só, alcance em grau suficiente esses objetivos políticos; Keynes, por exemplo, pôs em evidência como e desemprego era situação que podia tornar-se permanente numa economia de mercado.

A existência de desigualdade em todos os níveis é um fato mais do que comprovado e o crescimento econômico nem sempre alcança a aceleração que potencialmente poderia ter.

O Estado deve colaborar e para isto conta com múltiplos instrumentos, como a política monetária e a políti­ca fiscal; e também com a intervenção di­reta na atividade econômica através da empresa pública.

Assim sendo, trata-se de analisar a validade dos diversos instrumentos – e entre eles o da empresa pública – frente a cada um dos objetivos.

A resposta varia­rá segundo circunstâncias muito diversas.

Se o que se quer é fomentar o emprego, será necessário determinar se o mais ade­quado é lançar mão de alguns incentivos fiscais que estimulem o investimento ou então nacionalizar uma empresa privada que está a ponto de desaparecer por causa das dificuldades financeiras que atravessa.

O mesmo ocorre quando, ao abor­dar o problema do desenvolvimento regional, é preciso definir o impulso a ser dado às regiões economicamente menos favorecidas.

Entre as fórmulas possíveis, qual será a mais eficaz?

Eis uma pergun­ta certamente sem resposta universal, que deve entretanto ser respondida diante de cada problema concreto.

Bens semi-públicos e efeitos indiretos

Não há maneira objetiva de determinar quais são os bens “semi-públicos”, ou seja, aqueles cujo consumo ou produção gera importantes efeitos indiretos (ou merit wants como os qualificam alguns autores anglo-saxões) e que por isso merecem tratamento especial.

Primeiro, porque a sociedade varia em suas preferências e gostos e, portanto, em sua apreciação dos efeitos indiretos que emanam do consumo dos diferentes bens.

Depois, porque são as instâncias políticas que devem decidir quando os efeitos indiretos exigem uma intervenção do poder público.

É geralmente admitido que o ensino em certos níveis é um bem “semi-público”.

Por isso, um tema sob discussão em alguns países é saber qual dos dois procedimentos é mais justo e conveniente: a regulamentação mediante subvenção ou a intervenção direta.

Naturalmente, a ideologia influi na solução do problema.

O fato de que a empresa pública é uma exceção não invalida a convicção de que o mercado é o mecanismo mais eficiente para resolver a questão da alocação dos recursos.

Quando o mecanismo não é adequado – o que acontece nas condições já consideradas – é preciso planejar alternativas que possam, embora não devam forçosamente, dar origem a empresas públicas.

É evidente que as explicações só cobrem parcialmente as empresas públicas existentes.

É evidente que os derivados do leite fabricados por uma empresa pública nem por isso passam a ser bens ’“semi-públicos”, como também sua produção não se realiza em condições de custos decrescentes.

Mas aquelas atividades que têm custos fixos consideráveis, como a produção de energia elétrica, o fornecimento de água e o transporte ferroviário, provavelmente são monopólios naturais.

E é lógico, segundo a explicação neoclássica, que nelas proliferem as empresas públicas, embora não sejam de sua exclusividade.

Esta explicação, ou melhor, esta justificativa clássica, é atípica do ponto de vista teórico.

Deixa de sê-lo, porém, quando chega o momento de aplicá-la, porque sempre é discutível se uma atividade constitui um monopólio natural, ou se um bem suscita efeitos indiretos suficientemente importantes para limitar as forças naturais do mercado.

Além disso, o formalismo teórico não explica, entre outros casos, porque em numerosos países uma parte importante do setor financeiro está em mãos do poder público.

As vantagens da empresa pública

Naturalmente, não faltaram intentos de definir de forma global as vantagens que o instrumento da empresa pública apresenta, do ponto de vista dos objetivos gerais.

Mas todos os argumentos admitem discussão.

Além disso, sempre fica a dúvida se é melhor instrumento, se o objetivo perseguido não poderia ser alcançado mais eficazmente por outras vias.

Entre tais argumentos repetem-se, com insistência, as seguintes justificativas da necessidade ou da conveniência da utilização da empresa pública:

    • Necessidade de evitar situações de monopólio, impedindo que a iniciativa privada se aproveite de uma situação de privilégio e adote comportamentos malthusianos, de repercussão negativa para o resto da economia.
    • Necessidade de desenvolver atividades que, pelo risco, volume de recursos e rentabilidade a muito longo prazo, não são atraentes para a iniciativa privada.
    • Importância de favorecer uma melhor estruturação de certos setores produtivos, através da coordenação das diferentes unidades que os integram.

Aqui se costuma mencionar o exemplo da distribuição em alta tensão da energia elétrica.

    • Maneira de controlar a demanda efetiva, segundo as recomendações keynesianas, mediante a gestão direta de uma parte suficientemente importante de certos setores.

Por isso é conveniente que as empresas públicas atuem dentro das atividades que mais influem no resto da economia.

    • Necessidade de eliminar os estrangulamentos e “gargalos” que freiam o desenvolvimento econômico ou lhe criam obstáculos.

Esses estrangulamentos podem ser de tipo setorial ou geográfico, e estima-se que desequilíbrios excessivos de ambos os tipos podem comprometer um desenvolvimento suficiente.

    • Obrigação de pôr à disposição da sociedade, a “preços controlados”, bens e serviços considerados como componentes essenciais da qualidade de vida e que, portanto, devem estar ao alcance de todo cidadão.
    • Conveniência de obter, através da gestão direta, informações sobre os custos de produção e outros fatores que possam ser úteis para ulteriores intervenções administrativas sobre os preços ou de qualquer outro tipo.
    • Maneira de conseguir receitas orçamentárias através da gestão direta de atividades econômicas que complementem os recursos conseguidos mediante os impostos.

A relação anterior poderia ser ampliada facilmente, e também poderia ser reduzida ou alterada.

Mas permaneceria insolúvel a dúvida essencial: a empresa pública é ou não o instrumento mais conveniente?

Já se disse que isto depende das circunstâncias.

E nelas inclui-se a postura ideológica dos governantes como evidenciam as influências sobre nacionalizações ou as privatizações dos resultados eleitorais em muitos países.

Leia mais em:

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Entenda a empresa pública sem política e sem modelo

Fonte: Antonio Serra Ramoneda – Doutor em Ciências Econômicas e reitor da Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha.