Como a terminologia, a história também pode ajudar e fixar o sentido concreto da cogestão.
Três etapas históricas poderiam ser assinaladas utilmente para esta análise:
- A história distante, em algum sentido a pré-história, que levanta o problema fazendo-o consciente.
- A história próxima, que fixa objetivos e busca caminhos alternativos para eles.
- A história imediata, que cria o modelo em sua forma concreta.
A história distante
Esta pré-história é só a história de um problema criado pela sociedade industrial.
O domínio monopolístico e unidimensional do empresário liberal (baseado nos conceitos jurídicos que a cultura paleoliberal tomou do direito romano, a propriedade e o contrato) criou, além da miséria, a revolta operária.
Uma revolta que não tinha em vista apenas a supressão dessa miséria, mas também a recuperação da dignidade operária no processo industrial.
O nascimento dos sindicatos aponta, antes de tudo, para o primeiro, mas também aponta para o segundo.
Diretamente, em forma de modos alternativos da sociedade, que foi o dominante ao longo do século XIX e no início do século XX.
Indireta e mais sinuosamente, em forma de modos diferentes de empresa.
Cooperativas e participação acionária do operário, no início deste século, significariam isto.
O mesmo, mas em outro sentido, significavam as tentativas de moralizar, pela participação, as relações de um trabalho que era pensado como comunitário (criador de comunidade) por parte dos sindicatos cristãos a partir de seu nascimento, no início deste século, como consequência da Rerum novarum de Leão XIII.
Andavam pelo mesmo caminho as vias – muito mais tortuosas e ambíguas – de certas tradições patronais alemães (os conselhos de disciplina, por exemplo), que ao associar ao operário o lado negativo das decisões, o estavam tornando participante das mesmas.
O integracionismo total pretendido não podia impedir que surgisse a ideia, pelo menos teórica, do integracionismo participativo.
De um lado e de outro, ao tomar progressivamente consciência do problema, procurava-se fazer mudanças com o intuito de dar-lhe uma resposta.
A República de Weimar, com seu conselhismo operário, encerrava essa pré-história e abria a porta à história próxima.
A história próxima
Seu início poderia ser datado nos conselhos operários da República de Weimar, o que levanta, agora já em termos operacionais (não apenas problemáticos ou de consciência), o tema do poder operário.
A linha conselhista de Weimar (antileninista, oposta ao Estado proletário leninista sem a mediação do conselho ou soviet operário na empresa) favoreceu esse tipo de busca e pensamento.
Karl Korsch (um marxista antileninista) chegou até a formular um processo histórico de marcha conjunta para o poder operário em três estágios:
- O do operário enquanto cidadão, isto é, enquanto membro político mediato de um aparato estatal capaz de legislar, frente ao monopólio patronal da autonomia individual paleoliberal da propriedade e do contrato.
- O operário enquanto vendedor coletivo (coletivamente organizado) de sua força de trabalho, contra o monopólio real do poder econômico empresarial que tende a impor-se aos fatos.
- O do operário enquanto trabalhador, enquanto sujeito imediato e institucional de um processo produtivo que é mais seu do que do patrão (ou tão seu como do patrão) enquanto cidadão da empresa.
A reflexão sobre o poder operário ocupou, na Alemanha, toda a etapa da primeira pós-guerra.
Os sindicatos livres reunidos na ADGB (a confederação sindical alemã, da qual a atual DGB é herdeira) decidiram, em 1928 (Congresso de Hamburgo), sua política de poder operário: “deslocamento progressivo do domínio baseado na propriedade do capital e transformação dos órgãos de direção econômica, dos órgãos dos interesses capitalistas em órgãos dos interesses da coletividade’’.
Este propósito foi analisado (por uma comissão sindical criada para isso) e suas conclusões reunidas num livro (de F. Naphtali): A Democracia Econômica: Sua Essência, Seu Caminho e Seu Objetivo.
O sentido da democracia econômica coincidia com o poder operário sobre a economia.
Poder total ou poder compartilhado?
Poder revolucionário transformador ou poder estabilizador do sistema?
Poder democrático (managerial) ou poder socialista (proletário)?
As linhas de reflexão iam mais para a tendência dura de um ideal novo de poder operário.
Mas os tempos foram maus para a experimentação.
A debilidade política da República de Weimar, a forte crise econômica alemã dos anos vinte, que se ligou sem solução de continuidade com o crack de 29, e, finalmente – ou como consequência de tudo isso, o triunfo do nazismo, acabaram de matar este tipo de pensamento.
A cogerência exige requisitos econômicos e políticos adequados.
A história imediata
Esses requisitos são os que se deram com a segunda pós-guerra.
A destruição militar do nazismo trouxe consigo algumas consequências sociais mais acusadas do que as de qualquer outra guerra.
Havia um problema adicional: o que fazer com o sistema industrial alemão depois da derrota do nazismo?
Duas teses se enfrentaram no seio dos aliados vencedores, a americana e a inglesa.
A tese americana propugnava a desindustrialização alemã (como caminho de desmilitarização e de desnazificação).
A tese inglesa, pelo contrário, propugnava uma reindustrialização levada a cabo pelos sindicatos, como “agentes rais” de desnazificação (e a crença, não declarada, de que uma industrialização assim seria – competitivamente – uma reindustrialização de segunda classe).
Politicamente se teria imposto a tese americana, mas a chegada da guerra fria (na qual não era indiferente uma Alemanha industrial ou agrária) inclinou a balança em favor da tese inglesa.
É bem possível que nunca se deu na história uma conjuntura tão favorável para a realização do poder econômico operário.
Poder total ou poder compartilhado?
A tradição sindical alemã – interrompida e atormentada pela luta política contra o nazismo – teria se inclinado a favor do primeiro.
Mas impôs-se a recuperação econômico alemã comandada pela dupla Adenauer-Erhard (o milagre alemão, como se chamou), ajudando o realismo sindical forjado na guerra.
Mais valia um pássaro na mão do que cem voando.
A economia social de Erhard era o pássaro na mão.
Se numa economia social de mercado planejava-se o poder operário – compartilhado – isso teria de ser no conjunto das empresas.
Havia nascido a cogestão, a Mitbestimmung, em termos concretos.
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Entenda o modelo teórico da cogerência
Entenda o modelo prático da cogerência
Fonte: Antonio Marzal, é doutor em Direito e licenciado em Direito Comparado, Filosofia, Letras e Teologia. É também professor ordinário de ESADE e professor titular da Universidade Autônoma de Barcelona.