Definidos assim na introdução os problemas terminológicos e históricos do conceito de cogestão, é preciso passar agora a contemplar sua estrutura, seu modelo.
O modelo pode ser teórico ou real (histórico, prático).
Um modelo teórico é o que exprime institucionalmente uma ideia.
Um modelo prático (histórico, real) é o que encarna histórica e realmente essa ideia.
Para entender a realidade da cogestão, o que interessa é o segundo.
Mas para entender a ideia a que essa realidade responde, o modelo teórico tem suas vantagens.
Um modelo que poderia ser analisado em três etapas:
- As condições de racionalidade do modelo.
- A estrutura formal do modelo.
- Os requisitos culturais (informais) do modelo.
Damos como certo que o leitor conhece a dialética formal-informal que vigora em toda estrutura ou em todo modelo.
Por condições de racionalidade do modelo de cogestão é preciso entender o processo formal lógico de articular suas exigências práticas com as exigências funcionais da unidade de decisão de toda empresa.
Um postulado da empresa poderia ser o de que, se não há unidade de direção, não há empresa.
Isto quer dizer que frente aos “Modelos de empresa de sujeito político único“, como se visualiza no gráfico do mesmo nome, não necessitam de processo algum de reconversão; a unidade funcional de gestão – unidade final – já era unidade de interesse – unidade de origem.
O modelo da cogestão (Mitbestimmung) pressupõe (o mit, o com) que à unidade funcional do sujeito da gestão só se pode chegar a partir da pluralidade política de sujeitos com interesses e poderes diferentes.
A visualização se faria com uma figura de características iguais àquela representada no gráfico Unidade funcional e pluralidade política, no centro.
Ora, isso significa que em algum momento desse gráfico é preciso fazer uma operação reconversora que passe, racionalmente, da pluralidade de origem (política, de interesses distintos e confrontados), à unidade final (funcional, de gestão).
Nesta operação – que se poderia visualizar por uma linha, descontínua, como aparece no gráfico “Operação reconversora da pluralidade de origem à unidade final“, embaixo – é que se dão as condições de racionalidade do modelo.
Em termos empregados por Von Nell-Breuning, a operação consiste em passar da oposição (sujeito plural político) à plena integração (sujeito funcional, unitário, de gestão), através de um processo intermediário, de meia integração (sujeito orgânico de decisão política, metade plural, metade unitário).
Com essas premissas, Nell-Breuning construiu um modelo teórico com três órgãos de empresa, que correspondem a esses três sujeitos ou estágios do sujeito:
- Junta geral da empresa.
- Conselho da empresa.
- Direção da empresa.
Isso pode ser visualizado no gráfico “Os três órgãos da empresa”.
Na junta geral estão frente a frente os interesses (metade de trabalhadores e metade de acionistas). A tarefa do conselho de empresa consiste em assegurar a média integração a partir do primeiro enfrentamento. A direção da empresa é o órgão funcional administrativo, e deve impor a plena integração.
Na junta geral da empresa estão – paritariamente – os interesses conflitantes: metade trabalhadores (em conexão real com os sindicatos) e metade acionistas (de capital comprometido com a empresa).
Esta separação frontal de interesses é a que representa a linha contínua que aparece no quadro amarelo.
Mas, dado que, além dos interesses de trabalhadores e acionistas, existe na empresa um interesse da própria sociedade, a junta geral se completa, sem romper a oposição frontal e sua necessária paridade representativa, com representantes da sociedade (linhas descontínuas), que serão escolhidos em partes iguais pelos dois primeiros grupos representados.
Se a essência dessa junta geral da empresa é constituir em sujeito os pré-sujeitos políticos ainda não constituídos sem negar sua real oposição e antagonismo em sua forma dual (interesses divididos a 50%), sua competência fundamental consiste em nomear o conselho da empresa.
O conselho da empresa é visto por Nell-Breuning mais como um Aufsichtsrat alemão, do que como um conselho de administração dos códigos napoleônicos.
Mas isso, embora seja útil para compreender melhor Nell-Breuning, não é necessário para fixar seu objetivo essencial como parte da estrutura.
Sua tarefa é a de assegurar a meia integração a partir da oposição original primeira.
Poderia ser conseguido, antes de tudo, pela exigência da maioria de votos para todos os representantes do conselho da empresa (indicada no gráfico pela grade), além de outras técnicas que exijam, por exemplo, a presença dos neutros (representantes do interesse da sociedade no conselho da empresa).
Se a essência do conselho consiste em constituir a empresa como sujeito já operativo (meio integrado), sua tarefa essencial agora é dupla: fixar a grande política da empresa e nomear a direção.
A direção da empresa (o top management) é o órgão funcional de gestão e, por isso, tem que ser o mais forte e unitário possível.
A remanescente oposição larvada do conselho deve desaparecer por completo.
Impõe-se a integração total.
Uma boa técnica instrumental para isto seria a de sua eleição por maioria absoluta, não só do conselho, mas também de cada uma das duas partes de presença remanescente do conselho.
Sua essência é a de constituir o sujeito funcionante da empresa sem conflito de interesses; e sua tarefa, dirigir a empresa em função exclusiva dos interesses da empresa.
Finalmente, é preciso analisar as condições culturais (informais) de funcionamento da cogestão.
Um modelo é teoricamente uma estrutura formal.
Mas é também as condições de possibilidade de funcionamento dessa estrutura, um conjunto de variáveis informais que deem conteúdo real à estrutura e a façam interiormente coerente.
A melhor estrutura atual sobre a empresa visualiza essas variáveis como conceitos culturais.
Superadores da fronteira e do background cultural, os mais profundos estilos de tipo comparado confirmaram isso.
Puseram em evidência a essência antropológica do cultural (diferentes modos de percepção e de avaliação diante dos mesmos estímulos em forma de fatos) e não a dos historiadores, muito presos ao espírito da ilustração, o do progresso uniforme em função dos estágios de maturidade históricos.
Pois bem, as variáveis que configuram a cogerência são também culturais.
Duas poderiam ser sublinhadas num esforço pedagógico de síntese.
Um seria a variável cultural capaz de perceber o domínio do integrativo sobre o conflitivo na empresa.
Se nos for permitida esta frase evidentemente rude, mas expressiva, na empresa, o que une é mais forte do que o que separa.
A história da cultura alemã dos anos vinte é um exemplo significativo disso.
A crise econômica rompeu o paradigma marxista (na crise, os de cima descem e os de baixo sobem) porque se percebeu que os de cima desciam, mas os de baixo não subiam.
O que em termos de avaliação significava que o “afundamos juntos” se convertia em “é preciso salvar-nos juntos”.
Com isto, a integração tomava culturalmente a dianteira à oposição antagônica.
Uma segunda variável cultural é a organizativa.
Na cultura econômica alemã (a da Política Econômica em vez de Economia Política, a da tradição primeira de economistas áulicos), as relações econômicas não são tanto relações contratuais de mudança igual ou desigual (tradição paleoliberal, que é assumida pela primeira tradição marxista) mas relações administrativas de mando.
Por isso, a Alemanha foi, em termos históricos e reais, o paraíso da cogerência.
Frente à tradição alemã, a tradição anglo-saxã, liberal (de relações econômicas como relações contratuais de mudança), como fórmula para a integração, buscará não a saída institucional de cogestão, mas a saída contratual da negociação em todas as suas formas (da qual os países anglo-saxões e, mais concretamente, os Estados Unidos, são o paraíso).
Ao contrário da tradição alemã, a tradição latina, mais conflitiva do que integradora e de menor tradição organizativa, mais liberal neste sentido, mas menos economicista, mais capaz de perceber no econômico apenas o campo – político – de outro jogo, tenderá a ver na cogestão apenas uma armadilha para estabilizar a desordem, e na negociação o instrumento para romper progressivamente todos os equilíbrios na busca de uma nova ordem.
Não tem nada de estranho o fato de que a cogestão tenha sido pensada na Alemanha (e nos países de cultura econômica germânica) como modelo teórico, e que seja nela que, como modelo histórico, tenha florescido.
Leia mais em:
Entenda o modelo prático da cogerência
Entenda os problemas históricos
Fonte: Antonio Marzal, é doutor em Direito e licenciado em Direito Comparado, Filosofia, Letras e Teologia. É também professor ordinário de ESADE e professor titular da Universidade Autônoma de Barcelona.