A cogerência também chamada de cogestão, pode ser definida como o sistema de participação dos trabalhadores no gerenciamento de determinadas empresas que continuam baseando seu funcionamento em estruturas econômicas de produção consideradas liberais.

A cogestão é um conceito suficiente­mente ambíguo – tanto analítica como emocionalmente – para que seja possível falar dele sem esclarecer previa­mente o que se entende por ele.

Problemas terminológicos

Analiticamente, tal palavra já é ambí­gua em alemão (Mitbestimmung), apesar de ter nascido nesse país tanto a institui­ção como o conceito.

Mas o é ainda mais em outras línguas, onde não encontra uma tradução única, mas várias acepções.

Cogerência é a palavra mais corrente­mente usada, mas junto a ela se fala de cogestão, codecisão, codeterminação e cogerenciamento.

Mais vagamente ain­da, fala-se também de participação, ou colaboração entre capital e trabalho.

Quando se quer traduzir com exatidão es­se conceito alemão, opta-se pelo caminho do circunlóquio linguístico e fala-se de poder empresarial compartilhado (paritariamente ou não, segundo os casos) ou de poder compartilhado de decisão, quando não se quer circunscrever o tema da cogestão à empresa.

Os teóricos visualizam sua aplicação a nada menos do que seis níveis:

  • O lugar de trabalho do operário.
  • O centro de trabalho (Betrieb, em alemão).
  • A empresa.
  • O ramo ou setor econômico a que esta pertence.
  • A economia nacional.
  • Pelo menos idealmente, a economia internacional.

Por sua própria enumeração, já se vê que a palavra cogestão não pode ter o mesmo significado nestes seis níveis aos quais se aplica.

Mas mesmo que a circunscrevêssemos a apenas dois, aos dois ní­veis mais empresariais a partir da experiência institucional alemã, ao Betrieb (centro de trabalho, em tradução aproximada) e ao Unternehmen (empresa), a pa­lavra não pode significar as mesmas formas de atuação nem as mesmas exi­gências.

Na Alemanha há dois tipos de leis pa­ra esses dois níveis.

A Betriebsverfas-sungsgesetz (lei da constituição do Be­trieb, promulgada em 1952 e hoje substituída pela de 1972) e a Mitbestimmungs­gesetz, recolhida em duas leis hoje coexistentes (a de 1951 para o setor da side­rurgia e da mineração, e a de 1976 para os demais setores econômicos, que reco­lhe ainda resíduos da lei de 1952).

Afora o fato de que, sem chegar a tan­tas distinções de níveis como os expostos, também não é possível evitar toda indi­cação à cogestão supra empresarial, paradoxalmente chamada, em alemão, übertriebliche Mitbestimmung.

Um nome que confirma ainda mais a ambiguidade da palavra quando se deseja defini-la por seus níveis.

Ora, se em vez de níveis (o onde da cogestão), o que tomamos é o seu o objeto (isto é, o sobre que se deve exercitá-la ou exercê-la), a ambiguidade da palavra vol­ta a aparecer muito expressivamente.

Os teóricos da cogerência falam em três di­ferentes tipos de objetivos.

  • As questões de pessoal.
  • As questões sociais.
  • As questões econômicas.

Mais uma vez, os adjetivos estrangei­ros são mais ambíguos do que os alemães correspondentes.

Aqui, questões de pes­soal e questões sociais tendem a ser a mes­ma coisa.

Em francês, um e outro termo só são clara e distintamente diferentes se se empurra o social para fora da empre­sa, reservando-o para uma festa, por exemplo, ou para uma eventual política de ajuda à população de baixa renda.

Mas mesmo deixando claro os diversos cam­pos semânticos dessas três palavras, já se vê que, em termos reais, não é tão fácil separar e obter quimicamente pura a de­cisão que só afeta um desses três objetos da codecisão (Mitbestimmung) que a cogestão (Mitbestimmung) comporta.

Finalmente, as formas de exercer (o co­mo da cogestão) também contribuem pa­ra a ambiguidade da palavra.

Num senti­do estrito – por exemplo, aquele insti­tucionalizado para a empresa como Unternehmen – podem ficar mais ou me­nos estabelecidas essas formas que antes (com um circunlóquio) de poder empre­sarial compartilhado (paritariamente ou não, o que não deixa de ser outra varian­te que confirma a nossa tese).

Num sen­tido amplo, porém, não é possível evitar que, quando se leva a cogestão ao centro do trabalho (Betrieb) e já não diga­mos ao plano supra empresarial (a überbetriebliche Mitbestimmung), as formas voltem a dispersar-se ambiguamente:

  • O direito de ser ouvido, o direito à informação e à consulta.
  • O direito de fazer propostas que devem ser obrigatoriamente levadas em conta.
  • O direito estrito de codecisão, que formaria o cerne da cogerência propriamen­te dita.

Pode-se dizer que não é tão ambíguo assim, pois somente o terceiro ponto pa­rece constituir a forma no sentido estrito da própria palavra.

Mas, afora o fato de que a linguagem corrente não respeita necessariamente esse princípio (e a lingua­gem corrente é uma das formas da tena­cidade da realidade como fatos) e afora, também, o fato de que esse terceiro pon­to pode ser pensado em termos de forma direta de decisão ou forma de veto, é fo­ra de dúvida que, em certos níveis e para certos objetos da cogestão, as formas expressas no primeiro e segundo ponto são mais reais do que as do terceiro e, em, to­do caso, são formas que só funcionam perfeitamente integradas na cogestão.

Vazias de conteúdo fora da estrita cogestão, essas formas têm-no e muito den­tro dela, até fazer com que esta última, por ser muito formal, se converta em al­go irreal fora daquelas.

Volta-se então a confirmar a ambiguidade analítica desse termo que, para comodidade nossa (comodidade de tradutores do alemão em grande parte), chamamos cogerência.

Emocionalmente, o termo não é me­nos ambíguo.

Para uns, é panaceia; para outros, o demônio.

Quando na Espanha, com o franquismo, se introduziram cer­tas formas mais ou menos próximas do paradigma da cogestão (em forma de participação dos trabalhadores na administração das empresas) em certos am­bientes empresariais espanhóis, chegou-se a falar de uma inaceitável publicização da propriedade.

Mas a resistência patronal (de raízes paleoliberais) à cogestão não foi exclusiva da Espanha.

Constitui an­tes um registro comum de certas sensibi­lidades conservadoras que supera as fronteiras nacionais, também presente na pró­pria Alemanha, pátria do paradigma tí­pico da cogestão, a Mitbestmmung. Sem dúvida, isto se explica por motivos emo­cionais.

A emoção liberal da proprieda­de como base da autonomia decisória es­tá em jogo.

Essa emoção negativa para a cogestão sacode também o movimento operário, mais concretamente os sindicatos, e con­verte o termo em algo ainda mais ambíguo no aspecto emocional.

Para determi­nados tipos de sindicatos, fundamental­mente os latinos, a cogestão seria, na expressiva frase de Mandei, vender por um prato de lentilhas os direitos de primogenitura bíblicos.

Trata-se da vocação de protagonismo histórico do proletariado para iluminar as novas sociedades sem classes.

Já se vê que a cogestão constitui o prato de lentilhas e o inimigo a abater, se me for permitida a expressão.

A oposição emocional não provém apenas do registro místico do sindicalis­mo latino.

Também a tradição anglo-saxã, funcionalista e bipolar, não vê com simpatia esse chamado à tradição conti­nental institucionalista que, a juízo da­quela, complicaria as coisas em vez de esclarecê-las e refazê-las.

Menos emocional do que o sindicalismo marxista, essa opo­sição é, contudo, uma forma percebida como não-ideal de participação operária.

Um limbo a-histórico, já que não é o inferno.

Para outros setores, em compensação – já o dissemos, o termo cogestão se constitui no tudo, na panaceia.

A cogestão, para estes setores, identifica-se com a democracia econômica (termino­logia continental) ou com a democracia industrial (terminologia mais de sabor anglo-saxão).

O ideal da democracia econômica ou industrial é também difuso e ambíguo.

Pode dizer muito ou pouco, conforme se queira.

Surgiu como uma continuação, um prolongamento à vida econômica do ideal da democracia política.

Tanto assim que os teóricos franceses do trabalho (muito cartesianos, como bons franceses) levaram a comparação muito longe, dis­tinguindo na vida da empresa três etapas da vida política, nem sempre muito coe­rentes:

  • A monarquia absoluta (a empresa ou o empresário do direito paleoliberal).
  • A monarquia constitucional (a empre­sa ou o empresário de poderes limitados por regras constituintes do moderno di­reito do trabalho).
  • A república (a democracia econômica na empresa).

Menos rebuscada, mas não menos emocionalmente ambígua, é a formulação de partida (ou a formulação-sem-tese, co­mo se queira) do pensamento sindical ale­mão, que apostou na democracia econô­mica: que o operário, ao entrar na fábri­ca, não deixe a alma como deixa o abrigo no vestiário.

A frase é bonita, mas po­de significar muitas coisas, não só a cogerência.

Libertada de seu tom emocional, a cogestão não é a democracia econômica ou industrial, mas apenas um modo concre­to – mais um – de realizar o ideal da democracia econômica.

Uma fórmula, não uma panaceia.

Leia mais em:

Entenda os problemas históricos

Entenda o modelo teórico da cogerência

Entenda o modelo prático da cogerência

Fonte: Antonio Marzal, é doutor em Direito e licenciado em Direito Com­parado, Filosofia, Letras e Teologia. É também professor ordinário de ESADE e professor titular da Universidade Autô­noma de Barcelona.

Categorias: RECURSOS HUMANOS