Foi precisamente em 1937 que Coase se perguntou:
“Num mundo de mercados desenvolvidos, por que existem empresas?”
Se os mercados cumprem satisfatoriamente sua missão, se os preços difundem informação eficientemente, o intercâmbio entre sujeitos isolados é suficiente para conseguir um máximo de bem-estar por parte de todos.
Então, por que existem organizações diferentes do mercado, como as empresas?
A resposta só pode ser uma: porque o mercado é caro, isto é, porque há custos de informação e de transação que fazem com que os sujeitos, que poderiam pôr-se de acordo para transacionar livre e voluntariamente seus bens e serviços no mercado, preferiram outra maneira de realizá-lo.
Aparece assim a empresa, como uma ilhota de autoridade de um mundo de liberdade de contratação, como uma organização na qual os intercâmbios não se levam a cabo segundo o mecanismo dos preços (Alchian e Densetz, Jensen e Màckling, Williamson).
E aparecem também outras formas de aplicação de recursos: além do mercado (cujo princípio governador é o do intercâmbio livre) e da empresa (caracterizada pela hierarquia ou a autoridade), encontra-se também a família (com especiais características de cooperação, coordenação e controle), as instituições não lucrativas, os processos políticos (democracia) e burocráticos, etc.
Cada uma dessas organizações tem suas vantagens, isto é, minimiza alguns custos de transação, mas não todos.
Por exemplo, a empresa familiar facilita o controle de atividades dispersas que não podem ser facilmente avaliadas em seus resultados finais e que exigem altos custos de vigilância: tal é o caso das pequenas empresas artesanais, nas quais a qualidade e a maneira como se trabalha são mais importantes do que a quantidade produzida; ou a exploração agrícola dispersa, etc.
Pelo contrário, quando há economias de escala e uma tecnologia que avança rapidamente, as vantagens da pequena empresa familiar veem-se facilmente superadas por seus inconvenientes e surge assim a grande empresa por ações como forma mais adequada.
O mesmo acontece em outros casos.
Intercâmbio e contrato
Vejamos o tema de outro ponto de vista.
A teoria dos mercados supõe que os sujeitos econômicos se especializam na produção segundo sua vantagem comparativa; a pessoa que escreve velozmente à máquina trabalha como secretária, aquele que domina idiomas, como tradutor, aquele que tem uma chácara produz hortaliças, e o que tem um sítio, cereais.
Surge assim a divisão do trabalho, que necessariamente produz o intercâmbio, porque cada um tem excedentes daquilo que produziu e deve intercambiá-los com os que, tendo excedentes de outros produtos que interessam ao primeiro, também pode necessitar em bens ou serviços daquele.
Antes da fase final do intercâmbio (a entrega de um bem ou serviço em troca de um preço), é necessária uma discussão prévia do contrato ou transação que resolva os problemas da cooperação entre sujeitos desvinculados (intercâmbio) e do possível conflito entre eles (incentivo para defraudar o outro ou para descumprir o contrato).
Mas a elaboração do contrato ou transação acarreta um conjunto de custos (desde buscar a pessoa com a qual intercambiar até discutir as condições do intercâmbio), seguidos logo de outros (para assegurar seu cumprimento).
Depois do que ficou dito, é evidente que existem diversas maneiras de realizar transações e, portanto, de formalizar esses contratos ou acordos prévios (que nem sempre têm por que ser formalizados e, com muita frequência, não o são).
Como já vimos, o mercado é um; os custos de contratação nele incluem também a informação (identificação de preços, qualidades, condições, etc) e os de cumprimento (pois a distribuição assimétrica da informação incentiva o aproveitamento das vantagens informativas, às custas do outro, como quando um vendedor de carros de segunda mão tem oportunidade de ocultar os defeitos de um veículo, que não são evidentes aos olhos do comprador).
Quando os custos de contratação no mercado são muito altos, é preferível centralizar a informação e organizar o trabalho – os intercâmbios – de forma autoritária, dando origem à empresa.
Em geral, se conhecemos perfeitamente o que intercambiamos e em troca de que, estamos diante de um contrato completo, e o mercado é a via mais adequada (por exemplo, quando se compra e vende uma partida de trigo, a preço fixado num mercado com regras muito específicas).
Caso contrário, o contrato será incompleto e a empresa será preferível ao mercado.
O exemplo típico deste caso pode ser o contrato de trabalho de um contra mestre: podem-se explicitar algumas das suas tarefas e atuações e quanto se pagará por elas, mas não muitas outras (como manter a disciplina, como agir em caso de acidente, como impor sanções menores, como organizar o trabalho de seus subordinados e assim por diante).
Nesse caso, como o contrato não pode prever todas as circunstâncias, é preferível deixar uma margem de iniciativa e elaborar os correspondentes mecanismos de incentivo e controle.
Isto – e, em geral, os chamados contratos de agência, do qual o anterior é um exemplo – não pode ser feito pelo mercado e fica melhor enquadrado no âmbito da empresa (embora não exclusivamente).
No mercado costumam ocorrer os chamados contratos multilaterais, em que o comprador ou vendedor tem diante de si uma ampla gama de possíveis vendedores ou compradores.
Na empresa predominam os contratos unilaterais, em que se especificam as regras do jogo da cooperação mútua (avaliação de resultados, recompensas, etc).
Este tipo de contratos empresariais não se realiza apenas com seus componentes internos, mas também com outros interessados – fornecedores, clientes, sócios, bancos, etc – com os quais as relações são frequentemente regidas pelas condições do mercado.
Isto quer dizer que a demarcação de tipos de contratos não é simples.
Finalmente, há contratos que não criam dependência adicionais (a compra de uma partida de cobre não obriga a operações futuras), e outros em que se produz essa dependência.
O exemplo mais típico, também dentro da empresa, é a relação de autoridade/dependência que se inicia com o contrato de trabalho, quando se deixa a uma das partes a decisão unilateral – dentro de certos limites – das atividades da outra (a organização interna do trabalho).
Mais uma vez, a relação não é tão simples como parece, porém, são muito frequentes os contratos do primeiro tipo no mercado e os do segundo no âmbito das empresas.
Já se vê que tudo o que foi mencionado anteriormente dá lugar a uma pluralidade de tipos de contratos, que se imbricam e entrecruzam.
Num extremo teremos os contratos típicos do mercado; no outro, os puramente internos à empresa.
E entre eles se dará um conjunto de relações que definirão, por sua vez, figuras econômicas diversas.
Se os custos de contratação no mercado são muito altos, é melhor centralizar a informação e organizar o trabalho de forma autoritária. Assim, nasce a empresa.
Teoria da empresa e teoria dos direitos de propriedade
A partir dos anos 70, adquiriu notável desenvolvimento a teoria dos direitos de propriedade.
Não se trata de uma intromissão da ciência jurídica na economia, mas um aprofundamento desta nos aspectos institucionais que em explicam as condutas dos homens, seus comportamentos e suas motivações.
Em última análise, essa teoria diz que a especificação dos direitos de propriedade – isto é, que tem direito a que em cada caso – tem efeitos importantes sobre a vida econômica.
Isto, que parece evidente, não havia sido suficientemente estudado até há poucos anos.
Os exemplos sobre a importância dos direitos de propriedade são muitos.
A desertificação do Sael, por exemplo, resulta de um direito comum à exploração pecuária da terra, sem que a propriedade comum crie incentivos adequados para a conservação do solo.
A poluição – e o mesmo se pode dizer do congestionamento do trânsito e de outras muitas manifestações coletivas – oferece o paradoxo de que aquele que se beneficia ao contaminar – por exemplo, a empresa que lança fumaça ou despejos – não arca com todos os custos pertinentes.
Na empresa, a especificação dos direitos de propriedade é muito importante, porque determina como se repartem os custos e as penalidades, os benefícios, os direitos e deveres na organização (e fora dela: com clientes, fornecedores, etc).
Em última instância, os diversos tipos de contrato aludidos no texto obedecem a diferentes estruturas de direitos de propriedade.
Assim, quando o contrato – formal ou não – deixa margem ao gerente para usar parte de sua gestão em proveito próprio às custas dos proprietários (em forma de maiores gastos de representação ou suntuosos, menos horas de trabalho, etc), o que se produziu foi uma especificação incorreta dos direitos de um e outros.
Teoricamente, a solução é fácil – especifiquem-se bem esses direitos – porém na prática, conforme se pode observar pelo texto, não é possível elaborar contratos excessivamente elaborados.
Contratos e autoridade
Já estamos em condições de, à luz da concepção econômica que fomos definindo, dar mais um passo para penetrar nas características da empresa.
A empresa é a união voluntária de um conjunto de indivíduos – proprietários de recursos produtivos, vinculados por uma ampla variedade de relações contratuais (formais ou não), fora do sistema de preços, e com algumas características de organização hierárquica e autoridade que definem as funções do empresário.
Os contratos firmados na empresa têm por objetivo oferecer à organização bens ou serviços (capitais, trabalho manual ou administrativo, conhecimentos, etc) em troca de uma remuneração.
Neste particular é preciso recordar pelo menos duas coisas: primeiro, esses contratos também incluem elementos fora da organização, porém mais ou menos relacionados ela – acionistas, clientes e fornecedores habituais, entidades financeiras, etc; segundo, é importante ressaltar que a remuneração não constitui o preço do bem ou serviço prestado, e nisso – entre outras coisas – o mercado se diferencia da empresa.
Na realidade, quando recorro a um tabelião – por assim dizer, ao mercado dos serviços notariais, o pagamento é a contraprestação exata do serviço prestado; mas quando uma secretária cobra seu salário, não se costuma pagar-lhe pelo número de páginas escritas ou de telefonemas atendidos.
Os contratos entre a empresa e seus integrantes (diretores, acionistas, trabalhadores, etc), que, insistimos, não têm por que serem explícitos e formais, têm por objetivo reduzir a incerteza das partes sobre as respectivas obrigações e direitos e minimizar os custos de transação.
Realizam-se precisamente porque há um incentivo econômico para reunir todos esses fatores e agir conjuntamente, dado que a produtividade do conjunto é superior à soma das produtividades das partes.
Em tudo isso não há uma diferença substancial com o mercado, no qual encontramos também associações de produtores, subcontratação e outras formas de colaboração, que lembram as de uma empresa.
Contudo, falta-lhes um elemento que é essencial na empresa: a existência de uma direção, hierarquia e autoridade.
Por que essa autoridade?
Quando um conjunto de fatores se reúne para beneficiar-se do aumento de produtividade (e de remuneração, portanto) que resulta do trabalhar conjuntamente, todos têm interesse em reduzir seu esforço, de modo que o mesmo resultado (ou talvez um ligeiramente menor) se consiga com mais contribuição dos outros e menos contribuição própria (com um limite, evidentemente, quando a redução do esforço de um acaba provocando a destruição da equipe ou sua exclusão da mesma).
A cooperação que os contratos intra-empresariais permitem tem necessidade, portanto, da supressão de condutas oportunistas: e essa é a justificação da autoridade na empresa.
A existência de uma autoridade ou hierarquia na empresa traz consigo:
- O direito exclusivo para organizar as tarefas e atribuí-las a fatores concretos.
Com isso soluciona-se o possível conflito de objetivos entre os sujeitos, hierarquizando-os; aumenta-se a eficiência dos recursos (porque cada um faz o que é melhor para todos, economizando custos de informação, decisão, etc), e soluciona-se também o problema de conhecer e medir o esforço de cada um para o resultado conjunto (que agora fica dentro das funções daquela autoridade).
- O direito de contratar recursos (que põe a empresa em marcha) e de rescindir os contratos (que garante sua eficiência, pelo menos em caráter extremo).
- O direito de usufruir o resíduo (benefício), como remuneração pela aceitação da incerteza e o controle (o empresário é um especialista em incerteza).
- O direito de vender seus direitos, isto é, renunciar à tarefa de direção e controle da empresa (sem ele, os custos de ser diretor cresceriam excessivamente).
Depois de tudo o que foi dito, não será necessário insistir na importância da organização interna da empresa, que é determinada pelos tipos de contratos firmados.
Dela depende, com efeito, a motivação dos sujeitos para atuarem de modo compatível, a necessidade, meios e custos da vigilância e controle das atividades dos diferentes indivíduos, etc.
Por sua vez, cada estrutura traz consigo custos e resultados diferentes.
Por isso uma parte importante da moderna teoria da empresa se ocupa do estudo desses custos de transação, que definem qual é a estrutura ótima em cada caso e de que forma varia tal estrutura em cada circunstância.
O gráfico superior ilustra as características básicas e primárias de uma empresa, de acordo com a concepção econômica mais utilizada. Por sua parte, o gráfico inferior ilustra os direitos da hierarquia na empresa, como forma de supressão de possíveis posturas oportunistas ou antissociais.
As funções da empresa na teoria econômica atualSuperada a velha concepção da empresa como uma unidade amorfa, meramente técnica, especificada por uma função de produção e condicionada pelo ambiente para a maximização dos lucros, as funções que hoje em dia se admitem podem resumir-se assim:
Assim, o operário que assina um contrato de trabalho por tempo indefinido conhece com certeza a remuneração que receberá em troca de um conjunto de obrigações (número de horas de trabalho, tarefas a desenvolver, manutenção da disciplina, etc), evitando os riscos inerentes a uma renovação diária do contrato (o que aconteceria se, em lugar de uma empresa, se tratasse de um mercado competitivo). As formas de redução da incerteza são muito variadas. Uma é o contrato de longo prazo, já aludido. Outra, a existência de estoques, que garanta a continuidade do serviço aos clientes (e também aos trabalhadores, etc). Outra, por fim, a aprendizagem das pessoas, que investem um capital específico na empresa e, com isto, reduzem seu incentivo a abandoná-la (e o da empresa em despedi-las). A redução da incerteza tem seus limites: o operário sabe que pode contar com seu salário… desde que a empresa não se torne insolvente e acabe fechando. E o mesmo se pode dizer do cliente habitual, do aplicador de fundos, etc. Finalmente, há um elemento na empresa para o qual a incerteza não diminui, mas aumenta, porque é dele que depende a redução da incerteza dos outros. Esse é o empresário ou proprietário, cuja remuneração ou lucro é, precisamente, a compensação pela incerteza (entre outras funções).
Consegue-se mediante as tarefas de supervisão e controle. Evidentemente, visto que estas são custosas, há um limite para o volume de controle conveniente. Existem também diversas formas de controle, apropriadas para diferentes custos de descumprimento.
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A figura do empreendedorCom Schumpeter, a figura do empresário como empreendedor adquire uma grande importância. A moderna teoria da empresa, baseada nos custos de transação, não enfatiza essa figura, embora caiba dentro dela: o empreendedor é aquele que capta a oportunidade de lucro, resultante de uma mudança tecnológica, do aparecimento de novos produtos ou processos, de novos mercados, etc, ou simplesmente da exploração de uma situação (por exemplo, por abastecimento insuficiente numa região). A capacidade empreendedora está mais amplamente difundida do que parece. De certa forma, todos somos empresários: assim, aquele que faz um investimento em sua educação está vendo oportunidades de proveito futuro que exigem dele alguns gastos e um esforço agora; o operário que muda de trabalho a fim de ir para um melhor, etc, estão todos mostrando capacidade empresarial. O empreendedor é o que toma decisões num momento ou ambiente incerto com a esperança de obter um lucro, explorando uma oportunidade ou uma forma de serviço ao público que ele capta. Essa aceitação da incerteza é que justifica sua tarefa inovadora e sua remuneração (o resíduo ou benefício, isto é, a diferença entre os gastos certos em que precisa incorrer e as receitas incertas que espera conseguir). Podemos assim distinguir na empresa diversas figuras, que podem coincidir entre si ou não.
Deste ponto de vista, o principal trabalho do empresário é a seleção da equipe humana, e não sua participação direta na gestão do processo. Talvez convenha esclarecer que a motivação do empreendedor pode ser o lucro de que se apropria pela aceitação da incerteza, mas pode ser também outra: mostrar sua coragem, contribuir para o progresso da humanidade, pôr seus talentos para trabalhar etc. Convém também esclarecer que a busca de um lucro elevado – máximo, diríamos com a economia neoclássica – não pressupõe que se vá alcançá-lo: num contexto competitivo, a atividade do empreendedor está criando as condições para que outros o imitem, a oferta aumente e, finalmente, o lucro extraordinário desapareça. Ao mesmo tempo, cria-se também um incentivo para o surgimento de mais uma inovação. |
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- Entenda os objetivos alternativos das empresas (segundo a teoria)
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Fonte: Antonio Argandona – Catedrático de Teoria Econômica da Universidade de Barcelona e professor extraordinário do IESE. É autor de vários livros e artigos sobre a economia espanhola.