O problema da estrutura da empresa não é um problema diferente da escolha do tipo de organização econômica.
Há certas tarefas levadas a cabo pela estrutura democrática ou política; outras, para as quais tem vantagem a família; outras, cujo contexto ideal é o mercado; em outros casos, convém recorrer a instituições sem fim lucrativo e, finalmente, em outros é mais apropriada a forma de empresa (sem excluir outras alternativas).
E dentro da empresa, são diferentes as vantagens – em termos de custos de transação – da grande sociedade anônima, da pequena empresa familiar, da cooperativa, da associação artesanal, da empresa socialista, da autogerida, etc.
Por isso, a teoria da empresa – pelo menos tal como a vê hoje em dia a ciência econômica – não contrapõe à da burocracia ou à do mercado, mas a vê como uma estrutura alternativa, com suas vantagens e inconvenientes – mutáveis no tempo – com relação às outras.
Pela mesma razão, não haveria interesse em defender uma determinada forma de empresa em confronto com as demais.
Assim, a sociedade anônima de capital aberto, que limita a responsabilidade dos sócios e permite uma grande democratização da propriedade, diversificando riscos e fomentando a acumulação de economias de fontes muito diversas num projeto comum, tem grandes vantagens, mas também custos bem conhecidos.
Entre eles merece menção o problema agente-principal: como conseguir que a atuação do gerente ou diretor esteja de acordo com os interesses dos acionistas.
Por, que uma propriedade democratizada e um controle distante permitem ao gerente agir em proveito próprio, às custas dos benefícios dos acionistas (por exemplo, em forma de maiores gastos de representação e outras mordomias).
A teoria que explicamos permite também entender melhor as vantagens e inconvenientes das possíveis medidas tomadas para solucionar esse problema.
Uma seria, por exemplo, conceder ao gerente, participação na propriedade da empresa, o que reduziria algumas (mas nem sempre todas) de suas possíveis práticas nocivas aos interesses dos acionistas.
Outra seria intensificar o controle e vigilância sobre os atos daquele administrador, porém é preciso convir que os custos dessa medida não são absolutamente reduzidos.
E assim sucessivamente.
Quanto às demais modalidades de atividade empresarial (organização familiar, cooperativa, trabalhista, autogerida, etc), cada uma delas pode apresentar suas vantagens e inconvenientes, e em todas elas também costumam surgir problemas similares e seus correspondentes custos de vigilância.
De certa forma, o problema é universal: em grande número de relações – econômicas ou não – entre homens repetem-se as mesmas questões.
Na área do mercado, já mencionamos antes um exemplo baseado na distribuição assimétrica da informação: o do vendedor de um carro usado que conhece alguns defeitos que o comprador em perspectiva pode não chegar a conhecer antes do contrato, a não ser com custos elevados.
Algo parecido acontece nas organizações burocráticas, em que o problema agente-principal é, pelo menos, tão grave como nas empresas.
E na vida política, quando o candidato escolhido dispõe de alguns anos para agir mais ou menos de acordo com seus interesses – ou aqueles do seu partido ou, ainda, de uma minoria, etc – às custas dos eleitores que o levaram ao poder (embora tenha afinal de ainda recorrer ao voto destes para sua reeleição).
E acontece também com contratos de seguro, que, em certos casos, os riscos mais elevados podem beneficiar o segurado, correndo os custos por conta do segurador.
Além do que foi dito antes, é evidente que o problema torna a repetir-se quando, devido à complexidade da organização, é preciso delegar autoridade dentro da empresa (hierarquia), em forma de contrato de agência semelhantes aos que se fazem entre proprietários e gerentes.
Tais contratos permitem aproveitar a especialização dos diretores, incentivá-los para um esforço ótimo, etc; ao mesmo tempo, porém, geram riscos de conflitos de interesses e de condutas oportunistas.
Poder-se-ia voltar a repetir as considerações apresentadas anteriormente sobre os diversos mecanismos para solucionar o problema administrativo e custos que essas providências exigem.
Em resumo, começamos do mercado, que é o ponto de partida tradicional dos economistas em seus estudos, para chegar à conclusão de que a teoria neoclássica, embora útil para tratar dos fenômenos ligados ao mercado e à aplicação eficiente dos recursos através dessa instituição, não tem uma teoria da empresa.
Depois avançamos pelas sucessivas etapas de elaboração de tal teoria, que, passando pela multiplicidade de objetivos, nos levou à importância da organização interna da empresa e à identificação daquilo que, no fundo, a distingue do mercado: sua estrutura peculiar de custos de transação.
Uma vez que a teoria convencional se enriquece com a consideração desses custos, o avanço é notável porque dispomos de um instrumento que nos permite comparar diferentes formas alternativas de aplicação de recursos (mercado, família, empresa, processo político, etc), assim como comparar as vantagens e inconvenientes de diferentes tipos de empresa (anônima, familiar, cooperativa, auto gerida, etc) e, finalmente, aprofundar as questões de organização interna.
Não se trata, evidentemente, da única teoria econômica da empresa, hoje calorosamente aceita por todos, mas parece suficientemente útil e é a melhor de que os economistas dispõem para explicar o significado da empresa, quais os motivos do seu surgimento e por que adquiriu sua forma atual, e quais são suas características internas.
Leia mais em:
- Entenda os objetivos alternativos das empresas (segundo a teoria)
- Como entender a ciência econômica e a empresa
- Entenda porque existem as empresas
Fonte: Antonio Argandona – Catedrático de Teoria Econômica da Universidade de Barcelona e professor extraordinário do IESE. É autor de vários livros e artigos sobre a economia espanhola.