Parece evidente que a Economia, co­mo ciência, deve ter muito a dizer sobre a empresa.

Dificilmente se podem dizer coisas de interesse ao tratar da riqueza, da alocação eficiente dos recursos escas­sos e da gestão dos assuntos materiais na vida dos povos – segundo três conheci­das definições de Economia, sem que apareça a empresa que, no século XX, se converteu definitivamente na forma de organização econômica primordial para a maioria dos povos.

Pois bem, não dei­xa de causar estranheza o fato de que, até poucos anos atrás, a ciência econômica não tivesse uma teoria da empresa.

Estu­daram-se os fenômenos do mercado, mas sem ressaltar o papel das empresas.

Neste capítulo explica-se o porquê dessa omissão e como, até hoje, foi evoluindo a visão da empresa na ciência econômica.

A empresa na economia neoclássica

A economia neoclássica ou marginalista – segundo a conhecida definição de Robbins – estuda a alocação eficiente de recursos escassos entre determinados fins alternativos.

Seu núcleo é o mercado, is­to é, o lugar (não só no sentido físico) em que se encontram compradores e vendedores para intercambiar seus bens e ser­viços.

E neste mercado, evidentemente, a empresa deve ocupar um lugar central.

Ela é a unidade elementar que compra recursos produtivos e os utiliza na produção para depois vender os bens ou serviços resultantes: portanto, aparece num duplo lugar no mercado, como oferente e como demandante.

Contudo, esse papel central da empre­sa não se traduziu num desenvolvimento teórico adequado.

A empresa limitou-se, na economia neoclássica, a uma função de produção (o que equivale a supor que emprega sempre a melhor tecnologia disponível); a condição de concorrência nos mercados assegurava a utilização de to­dos os recursos da maneira mais eficien­te possível, dados os preços (que o mer­cado fixa).

Tudo isto se resumia na hipó­tese de que a empresa se orientava pelo objetivo de maximização do lucro (um requisito de sobrevivência no ambiente competitivo).

Desse ponto de vista, não importava, pois, a estrutura organizacional, os conflitos internos, a coordenação de funções, o controle e a comunicação.

A empresa era uma caixa preta, e não importava o que acontecesse dentro dela; era uma célula sem identidade, onde o relevante eram os dados do mercado (os preços) e o pressuposto de conduta racional (maximização de lucros).

Era, pois, um su­jeito abstrato, sem forma, sem estrutura, sem conteúdo, embora, isto sim, reagis­se racionalmente diante das mudanças do ambiente.

Mas isso não é uma teoria da empre­sa.

Na verdade, a economia neoclássica nos proporcionava uma teoria de merca­do e até da organização econômica glo­bal, mas não da empresa.

Interessava o mecanismo de alocação através dos pre­ços, mas não o que acontecia dentro das unidades elementares (família e empresa).

Agindo dessa forma, procedia cientificamente: com efeito, a ciência sempre atua simplificando a realidade, omitindo numerosos elementos que, sendo relevantes para outros problemas, não o são neste caso.

No momento de predizer o movimento de um corpo no espaço prescindimos de sua composição química.

Da mes­ma forma, ao estudar o mercado, a eco­nomia neoclássica omitia as características da empresa menos relevantes para aquela área.

A polêmica

Não obstante, durante algum tempo, os economistas pensaram ter em mãos uma verdadeira teoria da empresa, sem dar-se conta de que, conforme acabamos de dizer, não era bem assim.

E travaram- se polêmicas acesas que começaram dis­cutindo o pressuposto de partida: a maximização do lucro (agora diríamos, me­lhor, a maximização do valor desconta­do de lucros futuros, ou o valor líquido ou riqueza da empresa).

É realmente as­sim que agem as empresas?

A resposta evidente é não.

Ao perguntar aos empresários quais são suas metas, raramente aparece o lucro máximo.

Pode-se afirmar que, mesmo no caso em que o persigam, fazem-no com uma elevada margem de discrição de modo que raramente se pode dizer que agem sempre tendo em vista esse objetivo (porque agir dessa forma suporia uma rigidez de motivações, uma informação completa e uma capacidade de tomada de decisões dificilmente conseguíveis na prática empresarial moderna).

Estes argumentos, contudo, não são definitivos.

Uma teoria pretende descre­ver alguns fatos ou predizer alguns resultados, mas não procura ser um reflexo fiel, uma fotografia da realidade.

Por is­so, embora os pressupostos sejam incompletos, e até falsos, a teoria pode ser útil se explica ou preconiza bem a realidade.

É claro que nem todo pressuposto serve: mas o da maximização dos lucros parecia particularmente útil.

Não importa, pois, que as empresas tenham ou não es­sa motivação, supondo sempre que agem como se a tivessem, chegamos a conclusões úteis na prática (Machlup, Friedeman, Stigler).

Além disso, esse pressuposto parece necessário, já que num ambien­te competitivo somente a empresa que maximiza lucros consegue sobreviver (Al-chian).

Por outro lado, as perguntas aos empresários dificilmente podem dar-nos uma ideia de suas verdadeiras motivações.

É verdade também que eles não igualam o custo marginal ao ingresso marginal, como diz a teoria neoclássica.

Mas também é verdade que os corpos, enquanto caem, não resolvem equações complexas embora nós as utilizemos para explicar sua queda.

Pela mesma razão, descrevemos a conduta dos empresários em termos de igualdade de custos e ingressos marginais, ou de maximização de lucros, ainda que eles garantam que não agem assim.

A teoria neoclássica, que supõe que a empresa maximiza lucros, não é uma perda de tempo.

Não descreve a conduta de uma empresa específica, porém, aplicando a lei dos grandes números, pode explicar o comportamento de um elevado número delas.

Não é seu objetivo a explicação do que acontece numa empresa, mas no conjunto delas: tal como indicamos antes, é uma teoria do mercado, não da empresa.

O que as empresas maximizam?

Mas os argumentos anteriores não convenceram a muitos, que tentaram injetar um pouco mais de realismo na vi­são econômica da empresa.

Sem alterar o esquema teórico do mercado, sustentaram que o objetivo da empresa é a maximização de sua taxa de crescimento (Penrose), de suas vendas (Baumol), do crescimento destas (Baumol), de seu tamanho (Marris), ou de uma variada lista de outros objetivos: a satisfação de seus geren­tes, a paz na empresa, a remuneração dos diretores, a manutenção do controle interno, o status, poder e prestígio de seus dirigentes, etc.

Tudo isto, é claro, submetido à manutenção de alguns lucros mínimos ou suficientes, pois a empresa que não ganha o normal não pode sobreviver.

Essa postura é tão arbitrária como ou ainda mais do que a maximização do lu­cro.

As empresas não costumam declarar que maximizam tudo isso, nem há razões de peso para supor que esses objetivos sejam mais realistas do que o lucro máxi­mo.

Além disso, se há suficiente concorrência (que não precisa ser perfeita) de um modo ou de outro, os objetivos anterio­res acabam incluídos no do lucro máxi­mo, que é condição de sobrevivência.

Quanto aos lucros mínimos ou suficien­tes, o que são eles?

Como se fixam?

Tudo isso é muito frágil.

Dificilmente se poderá seguir essa linha na hora de bus­car uma verdadeira teoria da empresa (nem tampouco nas versões da competição imperfeita: Robinson, Chamberlin, Sraffa).

Mas outras abordagens interessantes ofereciam novas ideias.

Berle e Means haviam evidenciado a separação entre a propriedade e o controle das empresas (principalmente nas sociedades por ações).

Galbraith, desenvolvendo sua teoria da tecnoestrutura, sublinhava a independência dos gerentes frente aos proprietários, embora Manne sublinhasse as limitações dessa independência (pelo menos porque os acionistas têm a opção de votar com os pés e desvencilhar-se das ações, ou vender a sociedade a outro gru­po – por exemplo, por fusão – que se­ja mais rentável do que os gerentes atuais).

Em última análise, tudo isto apontava para uma pluralidade de objetivos: de um lado, os da empresa como organização; de outro, os de seus membros, primeiro os proprietários, depois os gerentes e, finalmente, o resto do pessoal, que poderia dispor de suficiente margem de liberdade para antepor seus próprios objetivos aos da organização, pelo menos parcialmente.

Em termos concretos, co­mo se formam os objetivos da empresa, a partir dos de seus membros (acionistas, gerentes, trabalhadores, etc)?

A teoria da organização

Com estas linhas em mente, alguns autores (Simon, Cyert, March) propuseram fixar-se no comportamento dos diretores que, em última análise, são os que determinam as metas da empresa.

Numa organização complexa há vários dirigentes com intuitos diversos: um busca sobretu­do remuneração, outro segurança no emprego, outro prestígio, outro serviço, etc.

Não parece realista que a empresa maxi­miza algo: os objetivos organizacionais procederão de uma complexa negociação entre diretores, se estabilizarão mediante os processos de organização interna, mudarão quando mudarem as pessoas (ou seus lugares e pesos na organização, ou seus interesses), etc.

Disto deduzem-se algumas ideias.

Uma é a relevância do processo interno de tomada de decisões, ou seja, da estrutura organizacional: sua forma e seus caminhos influem decisivamente nas motiva­ções da empresa.

Outra é que os objeti­vos terão a forma de uma conduta satisfatória (não maximizadora), porque procedem de negociação e renúncia de algumas coisas em troca de outras; de uma racionalidade limitada (não se pode preten­der uma lógica rigorosa numa organização complexa); da perseguição simultânea de objetivos múltiplos; da folga organizacional (os objetivos perseguem-se com máximos e mínimos, dentro de uma margem), etc.

Do ponto de vista teórico, esta concep­ção (que costuma ser identificada com a escola de Carnegie) apresenta vantagens e inconvenientes.

O mais sério destes talvez seja que alguns objetivos raramente satisfatórios não admitem fundamentos teóricos claros; se for necessário descer ao estudo de cada organização para ver como chegou a sua estrutura de objetivos de um determinado momento, dificilmen­te poderemos chegar a uma teoria geral.

Pelo lado das vantagens, este enfoque põe em evidência os aspectos relevantes da organização interna da empresa, que é concebida como um sistema típico de cooperação com coordenação autoritária (Papandreu).

Por outro lado, translada a questão do realismo nos pressupostos (maximização do lucro) para o realismo no processo (separação de propriedade e controle, importância da negociação dentro da empresa, etc).

Finalmente, esse enfoque não é necessariamente contrário ao de maximização dos lucros: quando se con­sideram os custos de informação, transa­ções e ajuste, e quando se amplia o con­ceito de lucro fugindo de um mero resul­tado contábil, a atuação da empresa é compatível com a maximização desse lucro, num processo que se parece com o formulado por Simon.

O passo seguinte, historicamente, é a síntese entre o enfoque da otimização ou maximização e o da organização.

Os objetivos das empresas são definidos por pessoas cuja motivação será, provavelmente, a maximização de sua utilidade (própria da economia neoclássica); isto acontece numa pluralidade de sujeitos (sócios, gerentes, trabalhadores de vários níveis, fornecedores externos, etc), cada um com suas próprias funções de utilida­de que procura maximizar, sujeitas a restrições de informação, comunicação, coordenação, etc (Williamson).

Neste objetivo podem ser incluídos outros, inclusi­ve o da maximização do lucro, que pode ser o de um dos grupos de sujeitos interessados (os proprietários ou acionistas).

Numa linha paralela, a teoria da eficiên­cia X, de Leibenstein, também evidencia limitações à plena eficiência própria do modelo competitivo tradicional.

Em todo caso, a esta altura a empresa já não é vista como uma caixa preta ou uma entidade abstrata, mas como uma organização complexa, com regras próprias de comportamento, e a maximização de lucros ficou integrada num objetivo também otimizador, porém mais am­plo; talvez como um objetivo de cumprimento necessário – pelo menos com ten­dência – quando o ambiente é competitivo (informação abundante, mobilidade de fatores, livre entrada, etc).

Já estamos em condições de entrar naquilo que poderíamos chamar a moderna teoria econômica da empresa, mas para isso devemos dar um passo atrás no tempo.

Leia mais em:

Fonte: Antonio Argandona – Catedrático de Teoria Econômica da Universida­de de Barcelona e professor extraordinário do IESE. É autor de vários livros e artigos sobre a economia espanhola.