Os primeiros cientistas que abordaram a análise sobre o trabalho humano na empresa deixaram de lado a questão da motivação das pessoas, ou seja, tenderam a prescindir em sua análise de algumas das razões que levariam uma pessoa a cooperar com a empresa.
Assumiram uma postura parecida com a do personagem de uma velha piada.
Esse personagem prestara serviços a uma pessoa que lhe disse ao agradecer:
“Realmente você me fez um grande favor e não sei como manifestar-lhe toda a minha gratidão”.
E respondeu-lhe prontamente:
“Cavalheiro, desde que os fenícios descobriram o dinheiro, nenhuma pessoa inteligente tem dúvidas sobre a maneira, no máximo duvidará sobre o quanto”.
Desses estudos derivou-se, porém, um grande número de trabalhos teóricos sobre a empresa e seu funcionamento, os quais procuram resolver as seguintes questões:
- Como definir da melhor maneira possível o que cada pessoa deve fazer na empresa para que esta ande bem.
- Como conseguir que cada pessoa saiba, da maneira mais exata possível, o que se espera que faça, e seja capaz de fazê-lo.
- Como conseguir que cada pessoa queira efetivamente fazer o que se lhe pede, usando apenas as coisas que a empresa pode oferecer em troca.
Planejamento, comunicação e motivação
Poderíamos sintetizar o conteúdo desses trabalhos dizendo que tratam da maneira de como planejar a ação conjunta, como comunicar a ação individual exigida e como motivar os indivíduos.
Em geral, estes três aspectos do funcionamento das empresas estão fortemente relacionados entre si.
A comunicação e o planejamento influem na motivação dos indivíduos, esta influi no planejamento e assim por diante.
De fato, estas complexas interações foram ignoradas por aqueles cientistas que procuraram tratar de cada um dos aspectos isolando-os dos outros, como se fossem independentes.
Todas estas análises, apesar de sua aparente diversidade, têm uma concepção – um paradigma de base – na hora de pensar na empresa.
A esta concepção de base é chamada pelo nome de modelo mecanicista.
Dentro do modelo mecanicista da empresa, a motivação é vista como um problema sobre o que se deve dar a uma pessoa (e quanto) para que ela se decida a realizar o trabalho.
É um problema de quais devem ser os incentivos e sua quantidade.
Admite-se assim que, para efeitos práticos, o dinheiro é um motivador universal e, portanto, o único que mereceria ser estudado a fundo.
Surgem então numerosos estudos sobre incentivos (entendendo com isto apenas a retribuição) e a maneira de relacionar sua quantia com a produção (o trabalho exigido).
Depois, ficou evidente que não bastavam esses elementos para conseguir motivar as pessoas, a fim de que alcançassem os níveis de produção desejados.
A primeira coisa claramente percebida foi que, em muitas ocasiões, os trabalhadores renunciavam a trabalhar mais para alcançar maiores níveis de remuneração.
Limitavam-se a produzir até certo ponto, não passando dali apesar dos incentivos ligados a uma produção maior.
No início, tratou-se de explicar e corrigir esta anomalia introduzindo noções puramente fisiológicas, como o cansaço, o esforço físico, etc.
Descobriu-se, também, a existência nas fábricas de grupos de operários que, voluntariamente, restringem o nível de produção.
Chegam até a tomar medidas severas contra qualquer operário que exceda os níveis aceitáveis para o grupo.
Os estímulos que recebe o trabalhador são do tipo imediato, e não se leva em conta seu componente psicológico. Possuir um carro como o que aparece na cadeia de montagem da Rolls Royce, no Reino Unido, converte-se numa motivação consumista que estimulará o trabalhador a procurar maiores rendas para assim poder adquirir um deles. Esta banalização das motivações humanas goza, contudo, de amplo crédito em determinados círculos. É comumente aceito que o homem trabalha sobretudo com a finalidade de satisfazer suas necessidades. Mas o que já não é tão evidente é saber quais são estas necessidades e até que ponto se limitam a ser de tipo econômico ou consumista. Os modelos mecanicistas insistem numa teoria fundamental: o importante para saber como se deve motivar uma pessoa consiste em conhecer quanto precisa cobrar para sentir-se satisfeita e cumprir seus deveres sociais. |
Os estímulos do trabalho
A análise de todos estes fenômenos e de muitos outros semelhantes, vai convertendo em evidência científica o fato de que, para efeitos práticos, não se pode prescindir na empresa de uma realidade já bem conhecida pelo senso comum: o dinheiro não é um motivador universal.
As pessoas buscam outras coisas e a tentativa de convencê-las a que sacrifiquem essas outras coisas em troca de dinheiro ficaria tão cara que nem seria prático tentá-la.
Existem realidades muito valiosas para a pessoa – na realidade, as mais valiosas – que não se podem comprar nem vender por dinheiro.
No mundo das empresas, falar de motivação implica falar de dinheiro e de outras coisas além do dinheiro, e esta é uma verdade corriqueira, conhecida e aplicada há muito tempo, pelo menos a nível da teoria e das práticas mais aperfeiçoadas.
É claro que a descoberta não levou imediatamente a rediscutir a fundo a questão de saber o que é que motiva o homem a agir, ou seja, que necessidades o ser humano procura satisfazer através de sua ação.
Os imperativos de ordem prática só impelem a pesquisa ao plano dos outros incentivos diferentes do dinheiro, tratar-se-ia de averiguar que outras coisas as empresas poderiam dar, além da remuneração, para motivar o trabalho dos indivíduos.
Por esse caminho, inicia-se uma série de descobertas nas quais aparecem desde a importância das condições de trabalho até as atitudes dos comandos que o supervisionam, passando pela influência do reconhecimento dos êxitos conseguidos pelo trabalhador.
Tudo isso se concretizou em técnicas manipuladoras baseadas em uma psicologia superficial das quais tantos exemplos nos restam.
As experiências Hawthorne
Com tudo isto começa-se a manejar uma concepção mais profunda do trabalhador, toma-se consciência, pelo menos a nível científico, da necessidade de levar em consideração suas dimensões psicológicas na hora de motivá-lo em seu trabalho.
Além disso, na pesquisa dos fatores que influem na produtividade dos trabalhadores e sua relação com a satisfação e a motivação, aparecia toda uma série de fatores que não eram devidos aos incentivos – de qualquer tipo que fossem – manejados pela empresa.
O mais clássico desse tipo de trabalho, levado a cabo por Elton Mayo e Fritz Roethlisberger, na usina de Hawthorne da Western Electric Company, teve quatro fases fundamentais:
(i) os pesquisadores começaram concentrando-se quase exclusivamente no tema da produtividade dos trabalhadores;
(ii) deste ponto passaram à análise da satisfação dos trabalhadores;
(iii) mais tarde foi imposto a necessidade de analisar a motivação; e
(iv) por último chegaram à conclusão de que a produtividade, a satisfação e a motivação estavam intimamente relacionadas entre si, formando uma unidade que devia ser contemplada conjuntamente, e suas relações estavam longe de serem fáceis de compreender e explicar.
Para o nosso propósito é importante assinalar o que, no que se refere à motivação, as experiências Hawthorne deixaram bem claro, importantes estímulos, que afetavam a satisfação dos trabalhadores e sua motivação para trabalhar, não procediam da própria empresa nem eram parte dos incentivos que a empresa manejava.
Tais estímulos surgiam da própria situação social em que os trabalhadores viviam e que o próprio trabalho criava e modificava.
Surgiam, em última análise, como consequência da inter-relação dos trabalhadores entre si, sem que a empresa pudesse controlar tais fatores a não ser muito limitadamente.
A teoria de Chester I. Barnard
Podemos encontrar no trabalho de Chester Barnard, The Functions of the Executive – talvez a obra que mais influiu nas concepções modernas sobre as organizações humanas, desde que foi publicado em 1938, afirmações como a seguinte:
“Foi-me impossível avançar no estudo das organizações ou no da atuação das pessoas no seio de uma organização sem enfrentar algumas questões de fundo, como as seguintes:
O que é o indivíduo?
Que queremos dizer ao utilizar a palavra “pessoa”?
Até que ponto as pessoas têm o poder de escolha ou liberdade de escolher?
A tentação é evitar esse tipo de questões tão difíceis de responder, deixando que os filósofos e os cientistas continuem a tratar delas ainda que continuem sem pôr-se de acordo depois de séculos de discussão.
Contudo, percebe-se rapidamente que, embora se evite dar uma resposta definitiva a tais perguntas, não é possível evitar enfrentá-las.
Nós estamos respondendo-as sempre, ainda que de maneira implícita, ao formular qualquer afirmação sobre a atuação das pessoas; e, o que é ainda mais importante, todo mundo – especialmente os líderes, diretores e executivos – atua na base de convenções ou atitudes fundamentais que pressupõem uma resposta àquelas questões, embora só raras vezes estejam conscientes disto.”
Dada a autoridade de Chester Barnard, também é útil reproduzir algo que diz no prefácio de seu livro sobre as experiências de fundo que o levaram a escrever sobre o tema:
“Embora tivesse aprendido com relativa rapidez a atuar com eficácia nas organizações, não comecei a entender o que nelas acontece, nem a atuação das pessoas dentro delas, a não ser muito mais tarde, quando tomei consciência de que as teorias e os interesses econômicos desempenhavam uma função efetivamente indispensável, mas secundária.
E quero afirmar de maneira específica que isto vale não só para as organizações com objetivos não econômicos – como podem ser as de tipo educativo, político ou religioso – mas também para as próprias empresas de negócios.
Nestas últimas, os motivos, interesses e processos não econômicos – juntamente com os econômicos – são também fundamento da atuação das pessoas, tanto a nível dos conselhos de administração como a nível dos operários de menor capacitação profissional.
Normalmente verificaremos que dizem o contrário – quase sempre implicitamente, mas às vezes de maneira explícita – não só os homens de empresa, mas também os líderes sindicais, os políticos, os homens de Estado, os profissionais liberais, os educadores e até mesmo os eclesiásticos.
Uma das consequências disso é que a autêntica liderança costuma basear-se em intuições que são acertadas, apesar de que as posturas doutrinais em uso negam este acerto fundamental.
Com muita frequência, parece-me tentar-se a integração social através de métodos que impõem uma falsa lógica de tipo ideológico, forçando as coisas até os limites em que o senso comum e a dura experiência se rebelem.”
Essa maturidade na tomada de consciência sobre a necessidade de pesquisar profundamente em torno do ser humano e daquilo que o move a agir, a fim de elaborar uma autêntica teoria – uma teoria capaz de melhorar a ação prática das empresas – levou a uma multidão de pesquisas, cuja concepção de fundo já não é mecanicista mas antes aquela que denominamos psicossociológica.
Todas elas são pesquisas que estudam a empresa como um organismo social, no qual se produzem e distribuem bens econômicos, mas cuja realidade completa não pode ser captada nem entendida, caso se consideram somente os processos que ocorrem no plano econômico.
A constante verificação desses fatos, fez nascer uma nova concepção de fundo, a psicossociológica – um novo paradigma – da empresa.
Leia mais em:
- Entenda os modelos psicossociológicos das motivações humanas
- Entenda o modelo antropológico das motivações humanas
- Como entender as motivações humanas
Fonte: Juan Antonio Pérez López – Doutor em Administração de Empresas pela Harvard University, Professor Titular de Comportamento Humano e Diretor Geral do IESE.