Nas últimas décadas, as organizações assumiram de forma sistemática sua quota de responsabilidade no desenvolvimento individual de seus participantes, o que obrigou a se estabelecer certa coerência entre os efetivos básicos da empresa e o projeto pessoal de vida daqueles que desejam integrar seus quadros.
Nos últimos anos, o desenvolvimento das pessoas integrantes da empresa deixou de ser considerado como uma mera responsabilidade do interessado ou como algo que sucede por causa da eventualidade das circunstâncias.
Progressivamente, de forma sistemática e programada, as organizações têm-se encarregado da promoção profissional e humana daqueles que fazem parte dos seus quadros.
E o sistema ou programa que define os diversos passos do desenvolvimento pessoal dentro da organização recebe o nome de carreira.
O fato das organizações assumirem programada e sistematicamente sua quota de responsabilidade no desenvolvimento individual de seus componentes faz que a carreira profissional se torne muito mais eficaz, porém, ao mesmo tempo, mais complexa.
Corre-se o duplo risco de atender somente às motivações e às necessidades futuras do indivíduo, ou de cuidar unicamente das necessidades e dos objetivos da organização; os projetos da promoção e desenvolvimento individual ficam apenas no campo das boas intenções não realizadas.
Para que ambas as instâncias sejam adequadamente atendidas, mais do que esquemas de procedimentos técnicos complicados, é necessário enfrentar dois requisitos fundamentais de sorte que a carreira seja planejada e realizada em benefício de ambos interessados – organização e indivíduo – fazendo convergirem seus objetivos de desenvolvimento para o ponto ômega.
Estes dois requisitos fundamentais dizem respeito de um lado, às finalidades básicas da organização e, de outro, ao projeto pessoal de vida de quem deve seguir carreira.
Finalidades básicas da organização
Para que o plano das carreiras profissionais dentro da organização produza resultados positivos, esta deve conter um bloco de objetivos primordiais que viabilizem e promovam as diversas fases da carreira.
A finalidade de gerar um valor econômico adicional é necessário pois, se assim não fosse, como fazer frente ao custo de desenvolvimento implicado em cada carreira?
Não obstante, esse algo mais financeiro não é tudo, porque o desenvolvimento dos homens não deve ter em vista apenas um benefício material, seria um desenvolvimento falso, pois o homem ficaria condicionado por algo inferior.
Para que os planos da carreira sejam efetivos, a empresa tem que incluir entre seus objetivos o de proporcionar um serviço à comunidade, imprescindível para que seus homens consigam um desenvolvimento autêntico, pois ninguém atinge sua verdadeira plenitude a não ser na medida em que serve aos outros.
Por outro lado, a empresa deve perseguir, entre suas metas, sua própria auto continuidade, sua permanência, caso se tratasse de um negócio eventual sem perspectivas ou intenções de perpetuidade, falar em carreira para aqueles que entrassem nele seria algo sem sentido.
Além do mais, a empresa deve ter entre seus objetivos o desenvolvimento de seus homens, que não deve ser considerado como um meio para alcançar outros fins, mas como um fim em si mesmo, sem o qual os outros fins, além de inatingíveis, não teriam qualquer validez.
A carreira profissional dentro da organização exige, portanto, que se persigam pelo menos quatro objetivos: (i) gerar um valor econômico adicional, (ii) prestar um serviço à comunidade, (iii) alcançar o desenvolvimento de seus homens e (iv) conseguir as condições de sua própria razão de ser e permanecer (ver o gráfico “Objetivos básicos da organização”).
O desenho pretende sublinhar que os objetivos de uma organização não podem ser reduzidos a uma só dimensão, mas devem satisfazer no mínimo as quatro dimensões que aparecem nele: (i) a empresa deve gerar valor econômico, (ii) deve produzir bens e serviços para satisfazer as necessidades sociais, (iii) deve manter sua estabilidade através do tempo, e (iv) deve perseguir o desenvolvimento das pessoas que fazem parte dos seus quadros.
Se faltarem alguns dos objetivos, a carreira profissional dentro da organização ficará seriamente comprometida.
O problema mais grave que então se levanta é o de considerar o indivíduo como uma entidade estática, cujo trabalho deve ser medido apenas em termos de cumprimento das necessidades unilaterais, geralmente só econômicas.
O fato de as organizações assumirem de maneira progressiva a promoção de seus empregados acarretam um duplo perigo. De um lado, é possível que a carreira profissional obedeça sobretudo aos imperativos da empresa e às suas exigências de produtividade para fazer frente a seus compromissos no mercado. De outro, os programas devem também encarar o perigo de que a atenção primordial às motivações e às necessidades futuras do indivíduo poderá repercutir de forma negativa na empresa, fazendo-a perder o investimento realizado devido a uma excessiva mobilidade da mão-de-obra, por exemplo. É preciso tornar compatíveis os objetivos finais da organização com o projeto pessoal dos seus componentes. |
Projeto pessoal de vida
Se para o desenvolvimento da carreira é necessário que esta se inscreva dentro da estrutura de objetivos da organização, mais necessário ainda é que se enquadre num projeto pessoal de vida, claramente definido pelo menos em suas linhas básicas.
Aqui está um dos nós górdios que surgem na hora de fazer carreira profissional dentro de uma organização.
Com efeito, devem convergir para isso os objetivos institucionais da empresa e os projetos de vida dos que nela trabalham.
A intervenção ou a mudança desses projetos por parte da organização acarreta o perigo de invasão de um terreno pessoal, ingerência para a qual a empresa não está capacitada procurando atuar numa área fora de sua jurisdição, incorrendo, por isso, numa forma sutil (mas grave) de paternalismo (desempenhar a função de pai e não de organização).
Ao mesmo tempo, definir uma futura carreira profissional dentro da organização, sem levar em conta os projetos vitais do interessado, pode implicar numa definição superficial ou até equívoca.
Portanto, para estabelecerem-se as diretrizes de uma carreira profissional em harmonia com os projetos pessoais de vida exige de ambas as partes – tanto da organização como do integrante da mesma – uma profunda prudência para não cair nem no paternalismo nem na superficialidade.
As três ordens dos projetos vitais
A alusão ao projeto de vida para determinar a carreira profissional é inevitável.
Antes de mais nada, é preciso levar em conta que os projetos do homem se movem em três esferas ou níveis diferentes: ele decide seu futuro na ordem do ter (determina que bens materiais devem possuir no futuro), na ordem do fazer (determina o que fará, qual é seu campo da carreira profissional) e na ordem do ser (determina como deseja ser no futuro).
Em nossa cultura atual, os projetos de vida costumam estar muito concentrados no nível ou na ordem do ter e muito mais difusos na ordem do fazer, até encontrar-se em um estado larvar ou completamente desatendidos na ordem do ser.
Convém salientar que a carreira profissional centrada na ordem do fazer nunca atingirá sua plenitude enquanto não forem definidos os projetos pessoais na ordem do ser, tendo em vista sua importância e radicalidade.
Antes de decidir se no futuro irei continuar trabalhando em minha especialidade de engenheiro ou desenvolver, por exemplo, uma atividade gerencial ou política, devo determinar se quero continuar sendo honrado com os bens alheios, se desejo ser leal com os que trabalham comigo e se pretendo ser fidedigno ou não com relação à informação que devo utilizar em meu trabalho.
Autonomia e subordinação hierárquica
É certo que entre as ordens de projetos se verifica uma relativa independência.
Uma pessoa pode decidir-se pela compra de um carro de luxo ou de um utilitário (ordem do ter), com qualquer deles pode projetar suas férias na praia ou na fazenda (ordem do fazer), e, em qualquer dos automóveis e dos lugares onde estiver pode ser generosa ou egoísta com relação aos seus companheiros de viagem (ordem do ser).
Ao mesmo tempo, porém, há uma estreita vinculação entre as diversas ordens do projeto, a ponto de se estabelecer entre eles uma certa hierarquia.
A decisão da carreira profissional deve enquadrar-se dentro de um projeto de vida e, por sua vez, este projeto vital fica na dependência dessa subordinação hierárquica.
A pessoa que trabalha em uma organização, especialmente se ela é de caráter mercantil, costuma elaborar um projeto vital conforme a seguinte hierarquia entre as diversas ordens mencionadas: projetará conseguir a maior quantidade possível de bens, despenderá todas as suas energias para consegui-los, adaptará seu modo de ser às condições que tornem mais efetivo seu empenho para conseguir os bens materiais que deseja.
Esse desenvolvimento profissional na ordem do fazer vê-se então condicionado ao objetivo do rendimento econômico máximo.
No entanto, para que o desenvolvimento e a carreira possam atingir o nível ótimo de adequação, é preciso inverter a ordem da hierarquia de valores.
Primeiro, determina-se que qualidades pessoais convém adquirir, isto é, o que se deseja ser.
Depois, escolhem-se aquelas atividades que não só permitem, mas também exprimem a maneira de ser que se escolheu como mais apropriada.
Finalmente, projeta-se conseguir os bens econômicos necessários para levar a cabo as atividades escolhidas.
O objetivo da vida humana não é a posse de bens materiais, de tal modo que a pessoa deva orientar seus projetos em função de conseguir o maior número deles.
Ao contrário, deve decidir que bens convém possuir com vistas àquilo que deseja fazer, e fazer aquilo que melhor exprima sua maneira pessoal de ser.
Alternativas do desenvolvimento profissional
Evidentemente um questionamento dessa natureza é fundamental para o acerto de uma carreira profissional dentro da organização.
Além disso, em cada uma das diversas ordens dão-se alternativas fundamentais que também não podem ser postas de lado.
Trata-se daquelas que têm maior significado genérico e que afetam particularmente a carreira profissional.
Na ordem do ter, o homem deve escolher, como postura geral, entre ficar na dependência de suas necessidades materiais para satisfazê-las, ou conseguir o domínio sobre elas para superá-las.
Nem sempre a satisfação das necessidades a que o homem se vê compelido é potenciadora de seu verdadeiro desenvolvimento.
O projeto de sua carreira profissional exige, pelo contrário, o domínio ou a superação (mais do que a satisfação) de uma boa parte dessas necessidades, em proveito de outras dimensões da pessoa cuja plenitude, em última análise, é mais valiosa.
A determinação da própria carreira profissional precisa desta pedra-de-toque para se discernir que necessidades devem ser satisfeitas e que necessidades devem ser dominadas.
Por sua parte, a organização deve estar consciente de um fato irrefutável: os homens que vivem em contínua dependência de suas necessidades não podem seguir uma linha de conduta segura e coerente, por isso deverá ser visto à luz desse fato o curriculum futuro das pessoas da organização que se encontram em tais condições.
Na ordem do fazer, todo indivíduo tem pela frente seu futuro de trabalho, como se se tratasse de uma corrida de obstáculos, e se encontra diante da opção de dar preferência à função que deve exercer dentro da organização ou privilegiar a pessoa que ele quer ser.
Função e pessoa não são duas opções que se contrapõe por natureza, mas deve existir entre ambas uma prioridade estabelecida: ou a pessoa fica sujeita à função requerida pela empresa (e esta poderia ser denominada a postura de uma pessoa funcional) ou, pelo contrário, a função é que se sujeita à pessoa (exercendo então uma função pessoal).
Tais opções devem ser resolvidas não só pelo indivíduo, mas também pela organização.
Há muitas organizações que concebem o trabalho de seus homens como o mero exercício de uma função preestabelecida.
O trabalhador ideal nesse caso seria aquele que encarnasse a função da maneira mais asséptica e pura, convertendo-se em um módulo funcional perfeitamente encaixado no sistema e facilmente substituível.
O desenvolvimento da pessoa se configuraria então como o procedimento para conseguir esse ajuste e essa sujeição.
Sem desdenhar as vantagens que, sobretudo a curto prazo, às vezes se conseguem obter de uma empresa ou de algumas pessoas assim estruturadas, é preciso considerar que os modelos de desenvolvimento pessoal podem enveredar por outra alternativa mais válida: aquela na qual determinam-se com clareza quais são as diversas funções que se devem exercer (pois a divisão do trabalho é um dos conceitos fundamentais de qualquer organização).
Deve-se também contar com a criatividade e a espontaneidade humana para esse exercício, o que dotará a organização de uma elasticidade ou flexibilidade que nunca se conseguiria sujeitando as pessoas a atuarem quais módulos funcionais.
Para o desenvolvimento de uma carreira profissional na organização, é preciso decidir previamente se, em última instância, trata-se de conseguir o homem adequado para determinado emprego ou se os empregos devem ser concebidos contando com as potencialidades (e limitações) da pessoa que deve cumpri-los.
Essa alternativa está refletida na ilustração “Equilíbrio entre as diversas facetas da atividade humana”.
A figura funde a alternativa de que no desenvolvimento da carreira profissional, é preciso decidir antecipadamente se trata de conseguir o homem adequado para determinado emprego, ou se essas atividades devem ser concebidas tendo em vista as potencialidades e as limitações da pessoa que deve cumpri-las. Cada profissional deve estabelecer um equilíbrio entre as atividades do seu setor (A), a dedicação à sua família (B) e outras ocupações que podem ajudar claramente seu desenvolvimento pessoal, como amizades, política, etc (C). Contudo, esse equilíbrio não é estático visto que varia de uma pessoa para outra.
Por último, na ordem do ser ao decidir seu projeto pessoal de vida, o homem enfrenta outra opção fundamental: ser para si ou ser para outros.
Também aqui, mais do que o dilema dos dois polos contraditórios, configura-se o critério de uma hierarquia.
Muitas empresas colocam a questão do desenvolvimento de seus homens sob o falso pressuposto de que sua principal força motivadora é o egoísmo (ser para si).
Essa colocação não é só errônea do ponto de vista ético, mas equivocada na perspectiva da própria organização.
Para uma organização conseguir seus objetivos comuns, deve ser constituída por homens que, de alguma forma, tenham consciência de que a dedicação aos outros é não só possível e conveniente para a organização, mas também constitui o eixo principal sobre o qual gira seu próprio desenvolvimento individual.
Hoje já está claramente comprovado que o desenvolvimento humano se torna possível na medida em que deriva da dedicação, do cuidado e do serviço com relação aos outros.
Essa talvez seja a tomada de posição mais importante que se deve fazer no ponto de partida de uma carreira profissional.
Por outro lado, a opção de ser preferivelmente para os outros a ser para si próprio, não é somente encontrável em pessoas excepcionalmente dotadas de uma rara nobreza, pois, segundo certos filósofos, o ato de dedicar-se aos outros constitui uma tendência natural humana que, em circunstâncias especiais mas não infrequentes, se manifesta no indivíduo pelo menos com tanta força como a tendência ao egoísmo.
As organizações que enfatizam o desenvolvimento humano conseguem sem dificuldades que seus homens não só adquiram o impulso eficaz de procurar aquilo que necessitam, mas também o salutar impulso de compartilhar aquilo que possuem.
O quadro “Projeto pessoal de vida” permite estabelecer correlações significativas entre os três níveis do desenvolvimento pessoal e as opções fundamentais que normalmente se apresentam ao indivíduo.
É sabido que esta é uma qualidade importante para que a carreira profissional não atue como uma força centrífuga com relação à organização.
Leia mais em:
- Entenda as dimensões da carreira profissional
- Entenda os limites na carreira profissional
- Entenda a dinâmica da carreira profissional
Fonte: Carlos Llano Cifuentes – Doutor em Filosofia pela Universidade de Estudos de São Tomás de Roma, presidente e fundador da IPADE (México) e Professor Comportamento Humano na Organização.