Esse paradigma visualiza as organizações através de um esquema básico que se acha representado no gráfico “O paradigma antropológico”.
O modelo antropológico é a conjugação de motivos extrínsecos e intrínsecos, que configuram em seu conjunto uma tríplice distinção das necessidades humanas, do mais imediato até o mais transcendente. A sobrevivência da organização dependerá da maneira como a ajuda a satisfazer essas necessidades, já que os estímulos provocados atuam tanto na quantidade como na qualidade da motivação de todos os seus membros. A partir daí produz-se a total identificação do trabalhador com a empresa, integrando-se um novo valor que recebe o nome de unidade.
Inclui-se aí um conceito da motivação humana no qual esta constitui o agregado de alguns motivos externos (ou extrínsecos) e alguns motivos internos.
Dentre estes últimos distinguem-se os motivos intrínsecos (a própria realização do trabalho) e motivos transcendentes (o serviço que esse trabalho presta às outras pessoas).
Assim, os motivos internos não dependem apenas daquilo que se faz, mas também do para que se faz, do significado que tem, da sua utilidade para os outros.
Na teoria das motivações humanas esta concepção implica uma tríplice distinção das necessidades das pessoas: necessidades de coisas externas, de desenvolvimento do conhecimento operacional (capacidade de fazer coisas) e de desenvolvimento do conhecimento afetivo (capacidade de sentir e valorizar a realidade).
A inclusão desse conceito de motivação humana do paradigma no funcionamento das organizações implica que estas podem-se tornar um meio que facilita ou dificulta a satisfação desses três tipos de necessidades.
Ao mesmo tempo fica claro que a sobrevivência da própria organização depende da maneira como promove essa satisfação, já que isso implica não somente a quantidade de motivação, mas também a qualidade dos motivos de seus membros.
Essa qualidade é decisiva para configurar a ação espontânea dos elementos organizacionais – o sistema informal.
Por isso, quando se quer reduzir as organizações ao plano dos motivos externos, é preciso supor ipso facto que a consecução dos objetivos da organização, independem daquilo que acontece no sistema informal e derivam tão-somente do sistema formal, apesar da dificuldade em discernir-se entre um e outro.
Consequências práticas da concepção antropológica
As concepções correntes sobre a empresa em nossa cultura ocidental – que não parecem ser as mesmas do Oriente – chocam-se quase frontalmente com o que acabamos de dizer.
Esta é a razão pela qual se tende a dar tanta importância aos sistemas formais como sendo o posicionamento verdadeiramente confiável na empresa.
Os sistemas informais são encarados como algo secundário, causa de atritos e desgastes; em última análise, algo sobre o qual o melhor a se fazer é não permitir que estorve os processos sérios de consecução dos objetivos estruturados pelo sistema formal.
Esse conceito é mecanicista em sua raiz mais profunda e está claro que o paradigma psicossociológico não teve forças para mudá-lo.
Já apontamos as razões para que isso tenha acontecido assim.
Até formulamos um juízo de que, no fim das contas, talvez o fato fosse inevitável.
Considerando-se a utopia latente nas raízes do conceito psicossociológico, quando se propõe a explicar a consecução do equilíbrio organizacional, isto é, com maximizar simultaneamente eficácia e atratividade através da aprendizagem, constitui processo extremamente complicado e de difícil realização.
Por essa razão, talvez seja útil que detalhemos sumariamente as consequências práticas da concepção antropológica, para sublinhar como coincidem com as mais comuns intuições dos bons profissionais da direção de empresas, e como estão de acordo com este mesmo sentido prático que tem levado os executivos a desconfiarem do modelo psicossociológico.
Tomemos em primeiro lugar a afirmação de que a organização é um meio para facilitar a satisfação de necessidades, inclusive o desenvolvimento da capacidade afetiva.
Pode-se perguntar seriamente por que algo tão pragmático e preso às realidades econômicas como uma organização empresarial deva preocupar-se com as necessidades afetivas do ser humano?
Pois bem, não só se pode dizer isto, mas pode-se até dizer que quem afirmar o contrário ou ignora vitalmente a constituição de uma empresa – nunca entrou nela a não ser para visitá-la mesmo que pertença a dezenas de conselhos de administração; ou, se viveu ali longas experiências de trabalho, estas foram muito infelizes, provavelmente o fizeram sofrer muito, e acaba concluindo que todas são iguais.
“Não têm coração; ‘estão interessadas apenas em lucros e perdas”, como em certa ocasião me disse um amigo que, depois de 30 anos de serviço, foi promovido para um cargo decorativo, com maior remuneração, sim, porém sem nenhuma atribuição concreta.
Todos sabemos que existem empresas nas quais a pessoa conta:
“Ali você não é um número; exigem de você, mas também o ajudam quando precisa”.
“Exigem muito de você e não perdoam nada, mas na hora da dificuldade estão a seu lado”.
Essas frases (como as opostas) podem- se escutar com muita frequência entre pessoas que trabalham nas empresas.
Sabemos também que há outras organizações onde se diz que a pessoa conta, mas não devem ser levadas a sério.
Há de tudo, como em qualquer produto da ação humana.
O certo é que para muitos trabalhadores pouco importa o ambiente, ou o tratamento humano que se dá numa empresa.
E também é verdade que, quanto mais sensível e consciente das suas atribuições não importa seu nível hierárquico – mais claramente qualquer trabalhador pode distinguir entre um tratamento humano autêntico e as posturas demagógicas que respeitam seus caprichos e violam seus direitos (entre outros, o direito de ser exigido, pedindo-lhe um trabalho honesto e eficaz).
Todos esses fenômenos fazem parte do quotidiano no relacionamento do plano afetivo entre a empresa e seus colaboradores.
Habitualmente tendemos a considerá-los acontecimentos episódicos do anedotário da vida trabalhista, algo acidental que deve ser posto de lado quando se deve tratar séria e objetivamente do trabalho nas empresas.
Pois bem, no paradigma que ora analisamos não se consideram apenas eventos ocasionais, porém, na realidade, constituem autênticos signos e sintomas do relacionamento decisivo para a sobrevivência das organizações a longo prazo, isto é, relacionamento que determina o grau de identificação dos trabalhadores com a empresa.
Esse grau de identificação é o que chamamos integração, e constitui um novo parâmetro ou valor organizacional.
Neste paradigma aparece formando uma tríade com a eficácia e atratividade (aqui também com o mesmo significado que nos paradigmas anteriores).
A integração como valor organizacional
Vejamos com algum detalhe o que significa esse valor organizacional que é a integração.
Quando, por exemplo, um vendedor faz uma boa venda, em princípio entendemos que essa venda é boa porque contribui para a eficácia da organização.
Diríamos até que é tanto melhor quanto mais contribuir para a eficácia da empresa a longo prazo (o cliente fica tão contente que voltará a comprar, etc).
No fundo – embora não haja maneira de mensurá-lo – diríamos que essa venda foi realizada da melhor maneira possível se sua contribuição para a eficácia a longo prazo é superior àquela que implicasse outra alternativa de realização.
Também pensando a longo prazo diríamos que a melhor base para assegurar uma boa venda é que o comprador tenha feito uma boa compra.
Uma boa compra significa que o consumidor não somente tenha consciência de que não foi enganado, mas também, toda a vez que pensar no assunto, se convença mais e mais de que o vendedor lhe prestou um ótimo serviço.
Em resumo, no julgamento do comprador, o vendedor não foi motivado apenas pela necessidade pessoal de realizar um negócio e auferir lucro.
É evidente que, em última análise, uma boa venda significa a consecução de certa eficácia (algumas rendas) pela prestação de um serviço (atender um cliente).
Ao realizar a venda, o vendedor é motivado pelo dinheiro que vai ganhar (motivos extrínsecos).
Mas seu ganho não depende do serviço que presta ao cliente, mas daquilo que a empresa lhe pede que faça através do sistema formal (pode ser que, com isso, a empresa pretenda definir operacionalmente em que consiste um bom serviço ao cliente).
Se o vendedor é um homem que gosta de sua profissão, provavelmente os motivos intrínsecos o levarão a se esforçar para realizar a venda, empregando seu talento, recorrendo aos mil truques do ofício, etc, de modo que sua ação espontânea (não formalizada) acaba sendo muito mais eficaz do que teria sido se se limitasse a atuar friamente, cumprindo apenas os requisitos formais.
Se o vendedor é um profissional honesto, os motivos transcendentes – querer prestar um serviço ao cliente tentando satisfazer-lhe as necessidades ao mesmo tempo que satisfaz as necessidades da empresa e as suas próprias – farão parte da motivação que o leve a realizar a venda.
Poderíamos até dizer que, em igualdade de competência profissional e de interesse pelos incentivos a conseguir (comissão ou remuneração, etc), quanto mais peso tiverem os motivos transcendentes num vendedor, mais motivado estará para a consecução da eficácia de sua empresa a longo prazo, e isto por um duplo motivo: a necessidade que tem a organização de realizar negócio e fazer isso de maneira compatível com o melhor e mais esmerado serviço ao cliente.
Se a empresa, porém, exigisse dele uma eficácia maior a curto prazo – realizar vendas que ele logo percebesse não corresponderem às reais necessidades, ou começasse a operar às custas do sacrifício da qualidade de serviço ao cliente, o peso dos motivos transcendentes em seu incentivo logo o levaria a alienar-se da organização, perdendo sua identificação com ela.
Fazemos esta observação para ilustrar um ponto que tende a passar despercebido ao explicar os motivos transcendentes, que constituem força poderosíssima para identificar as pessoas com objetivos axiológicos (satisfação das necessidades autênticas), mas que se choca frontalmente com aqueles objetivos para os quais a pessoa não consigna valor algum (são produtos do capricho, do egoísmo ou de motivos outros de quem trata de impô-los).
Esse choque pode ser violentíssimo se essa categoria de motivos tem um grande peso no comportamento das pessoas.
Os indivíduos de grande qualidade motivacional costumam ser pacientes quando atacados, mas ficam uma “fera” quando se defrontam com alguém que trata injustamente as pessoas mais fracas.
A consecução da eficácia
Todo este longo exemplo procura ilustrar um fato fundamental da vida das sociedades humanas: consegue-se a eficácia de uma organização através das ações individuais coordenadas; quer dizer, para a consecução da eficácia influem não apenas as ações requeridas pelo sistema formal, mas também as manifestações espontâneas do sistema informal.
Dentro das ações espontâneas, aquelas relacionadas ao desenvolvimento dos motivos intrínsecos apenas de maneira acidental têm repercussão na eficácia.
Entretanto, as ações espontâneas que se orientam para a satisfação dos motivos transcendentes buscam a eficácia de maneira direta por ser necessária para a organização e de maneira indireta porque querem prestar o serviço – satisfazer a necessidade – do qual deriva a eficácia.
Em certo sentido, buscam conseguir aquilo que é a causa e origem da eficácia (isto é, o que garante a eficácia real a longo prazo).
Pois bem, chamamos integração ao comportamento espontâneo das pessoas que se orientam para a obtenção da eficácia.
Essa característica exprime o grau de identificação dos membros com a eficácia organizacional; exprime em que medida um comportamento espontâneo se acha com a obtenção da eficácia (quando esta é consequência da satisfação de necessidade de outras pessoas de fora, isto é, necessidades satisfeitas pelo produto ou serviço organizacional enquanto necessário para a satisfação de necessidades dos elementos internos, isto é, necessidades satisfeitas pela participação no fundo de incentivos pelas pessoas que pertencem à organização).
Por isso é tão corrosivo para a integração da organização empresarial qualquer sistema distributivo que seja notoriamente injusto, ainda que a quantia de incentivos que distribui seja objetivamente muito alta.
Neste caso, pode-se até acatar o sistema por motivos extrínsecos, mas os motivos transcendentes – base da integração – o rejeitam.
Está claro, pois, que aquilo que orienta a ação espontânea para a eficácia são os motivos transcendentes; por isso essa orientação – supondo que as pessoas tenham esses motivos – só se dará na medida em que essa eficácia tem por objetivo surgir como consequência da satisfação das necessidades humanas externa e internamente.
Se os que dirigem uma empresa tratam de impor um conceito (ou medida) de eficácia desvinculada dessas necessidades, encontrarão nos motivos transcendentes das pessoas um grande obstáculo: esses mesmos motivos as levarão natural e sistematicamente a alienar-se da organização.
Então se dará o paradoxo de que quanto maior a qualidade motivacional de uma pessoa, mais forte sua resistência para integrar-se na organização.
As duas realidades da unidade organizacional
Assim, pois, a integração organizacional depende de dois resultados que devem dar-se conjuntamente como condições necessárias para a sua existência:
- A organização deve medir sua eficácia em função do serviço que presta satisfazendo as necessidades reais das pessoas.
- As pessoas devem ser capazes de se estimularem por motivos transcendentes.
Dando-se estas duas condições motivacionais – já que a primeira depende dos motivos transcendentes das pessoas que compõem os sistemas formais da organização – a condição suficiente pertence ao plano cognitivo já que consistem nos processos de comunicação, pelos quais as pessoas que atuam conseguem perceber o valor real dos objetivos para os quais estão contribuindo.
Na medida – grande ou pequena – em que se conjugarem essas condições se dará um comportamento espontâneo tendente à consecução da eficácia organizacional.
Por isso, na maioria das organizações que oferecem certa segurança configura-se um acentuado grau de integração; as exceções são como os casos patológicos em medicina.
Isso quer dizer a mesma coisa que o grau de identificação dos membros com a organização e também o podemos exprimir como escala de interiorização dos objetivos empresariais por seus integrantes.
Manifesta-se (ou mede-se) pelo grau em que os membros da organização orientam espontaneamente sua ação para a consecução dos objetivos que a organização persegue.
Na maioria das empresas existe certamente um mínimo grau de integração porque mui raramente observa-se nelas uma orientação generalizada da ação espontânea de seus membros contra os objetivos empresariais (embora todos se sujeitem a trabalhar de acordo com sua política).
De fato, uma operação-tartaruga é um exemplo desse tipo de comportamento, e não há organização que possa sobreviver por muito tempo em condições de operação-tartaruga permanente por parte de seus trabalhadores.
É certo que também não existe nenhuma organização cuja integração seja perfeita – como talvez não haja nenhuma pessoa completamente saudável, do ponto de vista médico – existem, todavia, muitas organizações cujo grau de integração é baixíssimo.
O verdadeiramente grave, porém – em linguagem médica equivalente a um enfermo terminal – é que uma organização atue de tal maneira que o seu grau de integração vá decrescendo em lugar de aumentar, continue alienando sua gente em lugar de integralizá-la.
Quando isso acontece, a organização está se autodestruindo, está voltada para uma situação parecida com aquela que há pouco descrevemos como operação-tartaruga permanente.
Pode ocorrer uma situação de características inconcebíveis: sem qualquer motivação ou incentivo para integrarem-se movimenta-se uma excessiva rotatividade (um turnover permanente) nos quadros, que a organização fatalmente não resistiria.
A nível social se configuraria como algo muito parecido – ou talvez ainda pior – com o estado de natureza (um tipo de primitivo caos social) descrito no Leviatã, do filósofo Hobbes.
O caminho mais seguro para evitar essa evolução autodestrutiva – aprendizagem negativa – consiste precisamente na adoção de políticas apropriadas visando facilitar o desenvolvimento das potencialidades afetivas dos seus membros.
Dizemos facilitar porque nenhuma organização pode produzi-lo diretamente, considerando-se que se trata de atitudes pessoais interiorizadas e vivenciadas através da experiência.
O máximo que a organização pode fazer é facilitar (ou dificultar).
Em não poucas ocasiões costuma-se falar de maneira puramente retórica que uma empresa é o lugar onde as pessoas devem aprender, e que a missão dos diretores é ensinar a seus subordinados.
Provavelmente, muitos dos que o dizem seriamente nem sequer suspeitam até que ponto estão certos, e que nível de profundidade deve alcançar essa aprendizagem para que a empresa seja cada vez mais forte e integrada.
As pessoas não devem aprender ali apenas o lado técnico de uma profissão, mas também a se tornarem profissionais, a converterem seus conhecimentos técnicos em instrumentos a serviço dos outros.
Esta última aprendizagem é a que se deve realizar no plano do desenvolvimento afetivo, que constitui a função primordial de uma autêntica liderança por parte dos que dirigem a organização.
Missão externa, interna e valores da direção
Para terminar, devemos ver agora qual o conteúdo desses novos conceitos que o paradigma antropológico introduz dentro de seu esquema analítico: a missão externa, a missão interna e os valores de direção (valores da organização).
Nossa exposição anterior facilitará agora a compreensão do conteúdo desses conceitos: não é fácil precisar, já que apontam para as realidades mais profundas e importantes, porém menos visíveis das organizações humanas, já que todos eles exprimem de um modo ou outro, relações entre a organização e a satisfação de necessidades reais.
- Missão externa.
Representa as necessidades reais que uma organização busca satisfazer através do produto ou serviço que chamamos ação organizacional.
- Missão interna.
Representa as necessidades concretas que qualquer organização procura satisfazer nas pessoas que integram os seus quadros.
Em ambos os casos, a pergunta significativa é para quem e para que a organização realiza suas atividades.
A resposta a essa pergunta determina as pessoas que estão dentro da organização e as que fazem parte do ambiente no qual a organização atua, assim como o que esta espera oferecer-lhes através de suas operações.
Em princípio é bastante incoerente a inclusão no ambiente de qualquer pessoa cujos motivos transcendentes sejam condição necessária para a unidade organizacional.
No ambiente cabem apenas pessoas cuja relação com a organização se funda unicamente na satisfação de motivos extrínsecos.
Por exemplo, uma empresa que precisa confiar no espírito de serviço, na identificação de seus fornecedores com os objetivos da empresa – por exemplo, dos fornecedores de peças na indústria automobilística, corre graves perigos de omitir ações importantes se não os considera como um tipo de membro da organização – que fazem parte da sua estrutura real – e se limita a negociar preços e qualidades como se fossem simples fornecedores de produtos quaisquer.
O máximo da insensatez nesse tocante – produto de uma visão mecanicista incapaz de visualizar todas essas sutilezas, se encontra na concepção tão difundida da empresa que considera únicos membros da organização os proprietários do capital – cujos motivos transcendentes raramente são necessários para que a empresa funcione bem – e inclui no ambiente até os próprios diretores.
Por tudo isto podemos dizer, em última análise, que a missão externa de uma organização pressupõe necessidades reais que podem ser satisfeitas ao satisfazer motivos externos de uma série de pessoas.
A missão interna, contudo, engloba necessidades reais que devem ser satisfeitas ao satisfazerem-se tanto os motivos externos como aqueles motivos internos imprescindíveis para o melhor cumprimento da missão externa.
A expressão pode parecer um pouco complicada, mas refletindo sobre ela, se verá que é muito precisa e resolve muitos pseudo problemas conceituais que se originam na falta de compreensão daquilo que constitui uma organização, ou nas visões retóricas utópicas sobre a natureza das organizações.
É certo que uma organização deve proporcionar sentido ao trabalho que um operário realiza ali, isto é, deve integrá-lo no contexto empresarial.
Se isso acontecer e o operário tiver a qualidade motivacional que o caracteriza como bom profissional, a missão externa da organização se cumprirá tanto melhor (no mínimo, o operário fará para o cliente algo melhor do que àquilo que o cliente faria em benefício próprio, porque estará querendo satisfazer a necessidade desse cliente como se fosse sua própria, e oferece alguns conhecimentos que o cliente não tem).
Tudo isto não é utópico; é difícil, sim, porém, ao mesmo tempo, constitui algo para qual vale a pena esforçar-se ainda que nunca se chegue ao limite de perfeição.
O que é sem dúvida utópico – e uma insensatez tentar – é uma empresa pretender dar sentido não ao trabalho, mas à vida deste operário (como algo que tentam fazer de certas empresas paternalistas).
Um diretor que se limita apenas à eficácia imediata e deixa de investir nestes planos mais profundos da motivação individual, que são tão decisivos a longo prazo, é um diretor míope.
Mas um diretor que distribui coisas ou faz concessões porque alguém pede, sem que essa doação tenha missão externa a longo prazo, está esbanjando recursos que lhe foram confiados.
Isto não implica que como pessoa – e até de seu próprio bolso – não tenha a obrigação de atender a pedido dessa natureza, se corresponde a uma necessidade autêntica e a relação pessoal é tamanha que numa circunstância dessas o torne moralmente obrigado.
Alguém – que talvez nunca saberemos quem – dentro da organização (missão interna), ou em seu ambiente (missão externa), foi injustamente postergado ao tomar esta decisão.
Naturalmente, a aplicação de todos esses princípios às situações concretas é muito difícil.
Contudo, queira-se ou não, tomar decisões concretas (e estas devem ser tomadas) é procurar sempre uma síntese entre a consecução da missão interna e da missão externa.
Se a decisão é infeliz – quer saibamos ou não – estamos procurando realizar uma síntese impossível.
Esta decisão provoca aprendizagem negativa, corroendo a integridade organizacional.
A qualidade dessas sínteses é determinada por aquilo que incluímos no último conceito do paradigma: os valores da direção.
Toda decisão implica necessariamente alguns valores que a determinam.
Sem eles não se poderia escolher entre as possíveis ações a realizar em dado momento.
Por outro lado, vimos que as decisões implicam uma tomada de posição com relação às necessidades que são levadas em conta e à maneira como se hierarquizam (se fosse possível satisfazer todas simultânea e completamente já não haveria problema nem, portanto, decisão).
Dessa forma, os valores da decisão incluem:
- O que se entende por necessidades reais na hora de tomar as decisões.
(Às vezes, a mensagem implícita de certas decisões é que os caprichos dos amigos são sempre necessidades reais enquanto a fome dos inimigos é capricho).
- O peso que se dá a cada uma delas ao tomar a decisão (quais necessidades devem ser satisfeitas – ou sacrificadas – e em que grau).
Em última análise, na hora de tomar decisões, os valores da direção exprimem como e dentro de quais critérios devem ser tratadas as pessoas.
Não se pode esquecer que qualquer decisão implica necessariamente alguns valores, embora as próprias pessoas que tomam essas decisões não estejam conscientes disto.
O bom conhecimento e consciência desses valores sem dúvida será objeto de grande interesse e investigação por parte daqueles que são afetados pelas decisões.
Eles os investigarão a fundo mesmo que não saibam ler nem escrever.
(Quem não ouviu certas pessoas, até mesmo analfabetas, mas com grande senso comum, dizerem:
“Veja o que fizeram com o pobre fulano.
Você acha que vou confiar nesses… que estão mandando na fábrica?”
Algumas dessas expressões, principalmente se os casos são claros, equivalem a quase uma radiografia dos valores de uma direção).
O teste definitivo da qualidade dos valores da direção é sua contribuição para o crescimento da integração organizacional.
De fato, a função da liderança – se autêntica – é a de encarnar alguns valores que vão consolidando a organização e já vimos que esses valores devem orientar as decisões de tal modo que facilitem – e nunca dificultem – a evolução no plano do desenvolvimento afetivo.
Com este simples ponto de partida e apoiando- se no processo pelo qual os seres humanos aprendem nesse plano, podem deduzir-se muitas consequências com relação ao conteúdo desses valores.
Leia mais em:
- Entenda a empresa como instituição
- Como entender o funcionamento nas organizações: A necessidade de um modelo completo
Fonte: Juan Antonio Pérez López – Atuário de seguros pela Escola Central Superior de Comércio de Madri, PhD em Business Administration pela Harvard University e professor titular de Comportamento Humano na Organização no IESE.