A matemática é uma disciplina única que gera em quem a estuda a sensação de ser surpreendido.
Essa capacidade de surpreender primeiro o professor, com o número infinito de possibilidades lógicas que podem ser geradas, e depois, os alunos, gerando a construção do conhecimento matemático, foi o que motivou o autor deste documento a seguir o caminho da pesquisa para a construção e demonstração do conhecimento e das relações matemáticas.
Diante disso, o objetivo deste trabalho é primeiramente apresentar o processo de construção e demonstração de um teorema matemático descoberto pelo autor, intitulado Teorema de Ronan, onde é especificado que “os lados do triângulo equilátero, o quadrado e o hexágono, inscritos em um círculo, formam um triângulo retângulo entre si, em que a hipotenusa é o lado do triângulo equilátero”.
Além disso, buscará relacionar essa experiência com a situação atual do ensino de matemática, especificamente no campo da geometria, especificando a necessidade de uma formação profissional mais sólida e reflexiva, baseada na construção real do conhecimento matemático pelos professores em formação.
Introdução
A matemática é uma disciplina única que gera no outro a sensação de ser surpreendido. Como explica Alsina (2006), ser surpreendido pela beleza e características de um objeto matemático; ser surpreendido pela genialidade de um argumento ou raciocínio; ser surpreendido pela visualização de um problema; ser surpreendido pelo aparecimento de uma solução inesperada ou ser surpreendido pela ligação imprevisível entre técnicas, conceitos ou ramos do conhecimento.
Essa capacidade de surpreender os alunos e gerar a construção do conhecimento matemático é o que motivou o autor deste documento a continuar no caminho de conhecer e demonstrar conhecimentos e relações matemáticas. Pois, como explica Leys, Ghys e Alvarez (2008): Fazer matemática é, acima de tudo, provar o que se afirma!
Diante disso, o objetivo deste trabalho é apresentar e demonstrar um teorema matemático descoberto pelo autor e intitulado Teorema de Ronan, discutindo a importância da construção do conhecimento matemático pelos professores, especificamente no campo da geometria.
Construção e prova do Teorema de Ronan
Teorema é uma garrafa térmica introduzida por Euclides, em sua obra consagrada Elementos, que significa “declaração que pode ser testada”. E nesse sentido, para produzir um teorema é necessário prová-lo. O teorema que procuro apresentar e demonstrar tem uma trajetória longa e pessoal, que especificarei a seguir.
Em 1952 eu estava no primeiro ano do Bacharelado em Matemática na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Distrito Federal, no Brasil. Em uma noite de primavera deste ano, eu estava resolvendo um problema de física sobre a relação entre duas forças ortogonais concorrentes e, a partir dos dados do problema, concluí que F1 = K, F2 = K√2 e Fr = K√3, com “Fr” sendo a força resultante e “K” uma constante.
Considerando ainda que K = R (a raiz de um suposto círculo), obtive F1 = R, F2 = R√2 e Fr = R√3. E assim “R√2” é o lado do quadrado e “R√3” é o lado do triângulo equilátero, ambos inscritos no círculo, e “R” é o lado do hexágono, também inscrito no círculo. Como o sistema de forças forma o triângulo retângulo, onde “Fr” é a hipotenusa, me deparei com um conhecimento não comprovado anteriormente, no qual “o lado do hexágono, o quadrado e o triângulo equilátero, inscritos em um círculo, formam um triângulo retângulo um com o outro”, uma demonstração que intitulei de Teorema de Ronan.
Abaixo apresento a prova específica deste Teorema. Para demonstrar isso, considere a circunferência do círculo mostrada abaixo, com uma raiz “R” igual a AO, e um diâmetro AB. Desenhamos o raio OC, perpendicular a AB. Partindo de C, plotamos os pontos D, E, F, G e H, que dividem a circunferência em seis partes iguais; de G, vamos desenhar o diâmetro DG e o IJ, que é perpendicular a ele. Vamos também traçar os lados CD, DE, EF, FG, GH e HC (lados do hexágono), CE, EG e CG (lados do triângulo equilátero) e GI, DI, DJ, GJ (lados do quadrado). Tomando EG como diâmetro, vamos desenhar o semicírculo que o compõe. Com o centro em E e raio ED, desenhamos o arco DK, onde K está no semicírculo. Juntamos G a K e obtemos o triangulo EKG, que é um triângulo retângulo, porque está inscrito em um semicírculo.
Assim, EG = l3 (por construção); EK = ED = l6 (por construção); como l3 = R√3 e l6 = R, temos: KG = √EG²-√EK² = √3R²-√R²; depois, KG = R√2 (lado quadrado), depois GK = GI. Desta forma, obtemos o “triangulo retângulo EKG, cuja hipotenusa é l3 e as pernas l4 e l6“.

Assim, como se vê, é possível comprovar o teorema de que: “os lados do triângulo equilátero, o quadrado e o hexágono, inscritos no círculo, formam um triângulo retângulo entre si, no qual a hipotenusa é o lado do triângulo equilátero”.

Esse trabalho de construção de um “novo” conhecimento matemático e busca por sua demonstração ocorreu no ano de 52 e foi um exemplo da importância da construção do conhecimento matemático por aqueles que se dedicam a essa ciência. Eu, na minha formação inicial como matemático, há mais de 5 décadas já vivenciava o processo de construção de seu conhecimento e de suas relações. Mas qual seria a relação entre minha experiência como aluno do curso de formação inicial em matemática na década de 50 e a educação matemática desenvolvida especificamente nos dias atuais? Essa relação é o que procuro especificar a seguir.
O ensino de geometria: formação de professores e processo de aprendizagem dos alunos na atualidade(1)
A matemática como conhecimento é uma disciplina que ainda apresenta oportunidades para o aprendizado de muitos alunos e é uma área que precisa ser bem compreendida para que possa ser bem ensinada ou bem aplicada.
Como especifica Gouvêa (1998), é comum ouvir muitos adolescentes e adultos explicarem que não conseguem aprender matemática. No entanto, quando questionados sobre suas tentativas de aprendizagem, verifica-se que eles não se submeteram aos diversos procedimentos que essa aprendizagem exige.
Felizmente, professores e pesquisadores dessa área têm feito avanços importantes e significativos, tornando os conteúdos matemáticos mais próximos da compreensão dos alunos, disponibilizando assim o aprendizado de forma mais realista e concreta. Outros, além disso, acabarão mudando suas práticas ancoradas por novas ideologias educacionais, construindo uma nova relação com a matemática, com seu ensino e aprendizagem.
No entanto, ainda podemos destacar, entre outros problemas relacionados ao processo de ensino-aprendizagem da matemática, aqueles gerados pelo aprendizado mínimo ou pela ausência de aprendizagem de conteúdos geométricos. Esse contexto(2) é observado em diversos estudos como Facco (2003) e Gouvêa (1998), onde se constata que muitos professores do ensino médio não tiveram uma formação inicial que lhes permita demonstrar suas decisões em problemas de geometria.
Alguns estudos, como os realizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Brasil (INEP) e pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica do Ministério da Educação e Cultura (SAEB/MEC), que buscam avaliar o conhecimento matemático dos matriculados ou egressos do ensino fundamental e médio, indicam que eles não possuem o domínio de alguns conceitos elementares, evidenciando algumas características do trabalho pedagógico realizado com a matemática nas escolas.
Pavanello e Andrade (2002) destacam algumas análises baseadas em pesquisas aplicadas a alunos do Ensino Médio e do Bacharelado em Matemática, apresentando como um dos aspectos mais preocupantes os baixos escores obtidos nas questões que envolvem geometria, afirmando: “que é possível demonstrar que essas questões não são efetivamente abordadas em sala de aula, ou na melhor das hipóteses, são trabalhadas de forma bastante precária”. A geometria é pouco ensinada em nossas escolas, principalmente porque os professores consideram sua própria formação em relação a esse conteúdo bastante básico e fraco.
Confirma-se ainda, por meio do estudo realizado por Nasser (2000), que muitos dos recém-formados do Bacharelado em Matemática apresentam dificuldades em compreender e dominar o processo dedutivo, cujos resultados são analisados a partir da Prova Nacional de Avaliação de Cursos Superiores, realizada anualmente pelo Ministério da Educação.
Como consequência, retomamos uma importante indagação discutida por Pavanello e Andrade (2002): “Se durante os cursos de formação inicial os futuros professores apresentam essas dificuldades em relação à construção do conhecimento matemático, especialmente em geometria, o que se pode esperar de seu trabalho pedagógico com esse conteúdo?”
Realizando vários estudos sobre essa situação, esses pesquisadores especificam que “embora muitos dos professores considerem o trabalho nessa área importante nos níveis fundamental e médio, muitos afirmam não ter condições de desenvolvê-lo porque aprenderam muito pouco sobre geometria quando eram alunos de graduação. Além disso, afirmam que a abordagem desse conteúdo, quando realizada, tem sido deficiente, enquanto as aulas trabalham preferencialmente temas mais complexos e aprofundados. Quanto aos conteúdos que deveriam ser desenvolvidos posteriormente em sala de aula, ou estes não foram abordados, ou essa abordagem foi muito superficial.”
Diante desse panorama, observa-se o que Lorenzato (1995) define como um grande círculo vicioso: os professores ou a geração que não estudou geometria não sabem ensiná-la.”
Outras pesquisas também realizadas por Gouvêa (1998); Almouloud & Mello (2000); Maioli (2002); Facco (2003) constatou que professores do ensino fundamental e médio têm dificuldades no ensino de geometria. Tais dificuldades se refletem no baixo desempenho de seus alunos. Isso implica na necessidade de professores mais bem preparados, o que, por sua vez, requer pesquisas sobre o processo de ensino da aprendizagem da geometria.
Realizando uma análise histórica da incorporação da geometria nos planos e programas dos cursos de educação básica, autores como Almouloud & Mello, 2000, Lorenzato (1995) e Pavanello (2003) mostram que o ensino de geometria foi consideravelmente reduzido ao longo do processo escolar.
De acordo com os estudos realizados por Lorenzato (1995), alguns fatores principais são apontados para a falta dessa questão, sendo eles:
- A falta de conhecimento geométrico necessário para o perfeito desempenho das atividades profissionais pelos professores, que é resultado de uma formação deficiente;
- A elevada importância dada à cartilha didática, que apresenta o ensino da geometria como um conjunto de definições e fórmulas sem qualquer relação com o quotidiano do aluno e totalmente desvinculado de factos e ideias históricas, há ainda outros que o apresentam apenas com um número mínimo de aplicações ao mundo físico. Além disso, a geometria é quase sempre apresentada na última parte do livro didático, aumentando a possibilidade de não vir a ser estudada por falta de tempo;
- A ausência, nos currículos dos cursos de formação de professores para o Ensino Fundamental e Médio, de uma ou mais disciplinas que busquem a construção do conhecimento geométrico elementar de um ponto de vista avançado e com a perspectiva de quem deve trabalhá-las de forma didática;
- A ausência de propostas metodológicas de ensino adequadas para desenvolver no aluno, as habilidades e competências de aprendizagem da geometria;
- A apresentação da geometria de uma forma que não tem relação com a aritmética e a álgebra, bem como com outras áreas do conhecimento.
Nessa discussão sobre o problema do ensino de geometria, somos então fortemente confrontados com a questão da formação inicial do professor. Como especifica Gouvêa (1998), essa falta de preparo por parte dos professores faz com que a escola, em geral, ministre apenas os conteúdos que apresentam um raciocínio mais algébrico. Essa alternativa tem sido muito frequente, historicamente, com especial preconceito para questões de geometria.
Diante dessas situações, percebemos a existência de um grande desafio na busca de opções que contribuam para a superação das dificuldades encontradas por professores e alunos no processo de ensino-aprendizagem dessa disciplina, sendo a formação docente um aspecto central nesse processo.
Corroborando com esta ideia, voltamos à apresentação e demonstração do Teorema de Ronan, tomando esta experiência feita há mais de 50 anos como exemplo de uma situação real em que um futuro professor de matemática buscou construir seu próprio conhecimento, gerando aprendizados significativos em seu processo de formação. Tal situação remete-nos para uma experiência real de que os nossos conhecimentos matemáticos podem estar em constante construção, tanto pelo professor em formação inicial, como por um professor em formação contínua, bem como por qualquer aluno que seja instigado a questionar, deduzir, demonstrar e indagar sobre as suas hipóteses matemáticas na resolução de situações-problema nas mais diferentes áreas, entre eles, a geometria.
Através desta breve história, quero fornecer um breve aporte sobre como a descoberta do conhecimento matemático pode contribuir para a formação intelectual do aluno em formação, capacitando-o para o trabalho docente.
Algumas pesquisas na área de formação de professores, especialmente matemática, como os trabalhos de Perrenoud (1999); Maciel, Pavanello, e Shimazaki (2001) e Fiorentini (2003) fornecem alternativas de intervenção que contribuem para a reformulação teórico-metodológica das propostas atuais, mostrando que a complexidade da formação inicial docente requer uma proposta multidimensional, que contemple suas necessidades de desenvolvimento pessoal e profissional, a partir do redimensionamento de conhecimentos, competências, habilidades e atitudes. Particularmente para a matemática, as discussões de alguns pesquisadores apontam que o Curso de Bacharelado em Matemática deve ser concebido como um curso de formação inicial em Educação Matemática, em uma configuração que permita romper com a dicotomia entre conhecimento pedagógico e conhecimento específico e com a dicotomia entre teoria e prática.
Nesse sentido, vale destacar a proposta de Gouvêa (1998) que especifica a importância da formação continuada de professores como forma de melhorar o processo de formação inicial, especificando a necessidade de desenvolver estratégias que permitam:
- A troca de conhecimento profissional, através da implementação de formas de intercâmbio entre colegas;
- A criação de instâncias que permitam a interação com outros professores (por exemplo: grupos de estudo e pesquisa ou participação em conferências);
- A avaliação e revisão dos modos de compreender e proceder, a partir de processos de autocrítica e reflexão dos processos desenvolvidos durante o exercício da ação docente.
Nesse sentido, a formação de professores de matemática não pode ter como objetivo principal o acúmulo de informações. É fundamental que seja pensado e desenvolvido de forma a gerar um professor construtor de seu próprio conhecimento, em uma perspectiva crítica, analítica e reflexiva, condição indispensável para sua profissionalização.
(1) Para o desenvolvimento desta seção, a principal referência é o importante trabalho realizado por Gouvêa (1998) no desenvolvimento de sua Dissertação de Mestrado realizada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo com o título: Aprendendo e ensinando geometria com demonstração: uma contribuição para a prática pedagógica do professor de matemática do ensino fundamental.
(2) Ao longo deste documento estaremos nos referindo ao contexto brasileiro, especificando pesquisas e dados referentes a essa realidade.
Palavras finais
Com este trabalho e como forma de contribuir para que outras gerações possam continuar a encantar-se com o conhecimento matemático e com a possibilidade de descobrir e gerar novos conhecimentos, convido todos os acadêmicos, professores em exercício e professores em formação inicial a envolverem-se no mundo da demonstração e construção matemática.
Espero que minha experiência ao longo de tantos anos possa servir de incentivo para desenvolver em cada um de vocês o desejo de construir novos conhecimentos e melhorar a formação de nossos alunos, revisando os planos e programas desenvolvidos pelas escolas e as metodologias de formação inicial aplicadas aos nossos professores.
Referências bibliográficas
- Almouloud, S. & Mello, E. (2000) Iniciação à Demonstração: Aprendendo Conceitos Geométricos. 23ª reunião da ANPED.
- Alsina, C. (1996) Ensino de matemática. Barcelona: Graó.
- Facco, S. (2003) Conceito de área: uma proposta para o ensino e a aprendizagem. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
- Gouvêa, F. (1998) Aprendizagem e ensino de geometria com demonstração: uma contribuição para a prática pedagógica do professor de matemática do ensino fundamental. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
- Elementos de Euclides. Versão latina de Frederico Commandino. Disponível em: http://www.mat.uc.pt/~jaimecs/euclid/elem.html
- Fiorentini, D. (2003). Formação de professores de matemática: explorando novos caminhos com outras perspectivas. Campinas: Mercado de Letras.
- Leys, J.; Ghys, E. & Alvarez, A. (2008). Dimensões: Uma caminhada matemática. Pôle Scientifique de Modélisation Numérique, Lyon.
- Lorenzato, S. (1995) Por que não ensinar Geometria? Educación en Revista, Rio de Janeiro, n. 4, p. 3-13.
- Maioli, M. (2002) Uma oficina de formação de professores com foco em quadriláteros. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
- Oliveira, L.; Pavanello, R. & Shimazaki, E. (2001) Formação inicial do professor reflexivo: pesquisa na prática docente. I Seminário Internacional de Pesquisa e Estudos. Bauru; FAPESP.
- Nasser, L. (2000) O domínio do processo dedutivo por alunos em formação inicial no Bacharelado em Matemática. Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática, 1, pp. 140-145, Serra Negra.
- Pavanello, R. (2003) Pesquisa na formação de professores de matemática para o ensino básico. Revista Educación Matemática, nº 15, p.08-13.
- Pavanello, R. & Andrade, R. (2002) Formação de professores para o ensino de geometria: um desafio para os cursos de matemática. Educación Matemática en Revista, SBEM, n.11A-Special Edition, p.78-87.
- Perrenoud, P. (1999) Formação de professores em contextos sociais: prática reflexiva e participação crítica. Revista Brasileira de Educação. Anped. set/out/nov/dez. nº 12, pág. 5-21.
Fonte: Ronan Gonçalves, Matemático, Engenheiro de Telecomunicações e Aeronáutico – Relatório de Investigação sobre o Nível de Escolaridade do Segundo Ciclo do Ensino Básico, Brasil.

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