Os princípios contábeis geralmente aceitos não levam em consideração o fenômeno da inflação.

Consequentemente, os lucros contábeis que as empresas têm podem ser parcialmente fictícios.

É por isso que, nos últimos anos, em muitos países europeus críticas violentas foram desfechadas contra o sistema clássico e foram propostas soluções alternativas.

Para compreender as soluções é preci­so atentar para dois princípios fundamen­tais da contabilidade tradicional:

  • As unidades monetárias em que estão contabilizados os ativos são correntes, isto é, do momento em que teve lugar a compra do ativo.

Portanto, sempre que houver ativos adquiridos em diferentes períodos, haverá unidades monetárias de diferente valor aquisitivo no balanço.

  • No balanço, a contabilidade reflete os ativos ao custo.

As alternativas frente à contabilidade clássica consistem fundamentalmente em abandonar ou o primeiro princípio, ou o segundo, ou ambos ao mesmo tempo.

Concretamente:

  • Se se abandona o primeiro, isto é, se to­das as contas se traduzem em unidades monetárias de poder aquisitivo constan­te, o sistema contábil resultante recebe o nome de contabilidade ajustada ao nível geral de preços (CANGP).
  • Abandonando-se o segundo princípio, deve-se adotar um critério de avaliação diferente do custo.

Um dos possíveis crité­rios a adotar conseguiu muito mais popularidade do que os outros: o custo de reposição.

A partir do mesmo pode-se elaborar a contabilidade pelo custo da reposição.

Para compreender melhor em que con­sistem os dois métodos, vamos dar um exemplo simplificado.

Suponhamos que a empresa ZYX é criada no dia 1 de janeiro de 1984 com uma participação de capital de 20.000.000 de u.m., que se in­vestem exclusivamente na compra de es­toques (40.000 unidades, a um preço de 500 u.m. cada uma).

Durante o ano, a empresa vende 24.000 unidades à vista, a um preço de 800 u.m. cada uma, e deixa em caixa o dinheiro das vendas.

Com ele, vai pagan­do alguns gastos de 3.200.000 u.m. ao longo do ano.

Com estes dados, pode-se construir o “Balanço” e o “Demonstrativo financeiro de ZYX”.

As formas com que se podem apresentar e agrupar as diferentes parcelas do balanço variam em função do ponto de vista que se adota ao realizar a análise contábil. Para determinar a influência da inflação nos resultados, convém conhecer a posição monetária líquida a partir dos ativos e passivos monetários e não monetários.

Observamos que, para obter os de­monstrativos financeiros, não precisamos de forma alguma conhecer qual é o valor da inflação, nem qual é a mudança (se é que existe) do preço específico do produ­to da empresa; ao passo que, como vere­mos, a situação da empresa é francamente diferente dependendo de quais sejam os valores.

Para efeito de ilustração supo­nhamos, então, que a inflação foi de 10%, mas que o custo de reposição au­mentou 12%.

A contabilidade ajustada ao nível geral de preços

A Contabilidade ajustada ao nível ge­ral de preços pretende traduzir os custos históricos para uma base comum, em uni­dades monetárias de poder aquisitivo constante.

Para isto, toma todos os va­lores das diferentes parcelas contábeis e as ajusta segundo o momento em que se realizaram as transações, com relação às unidades monetárias de um certo momen­to que, por comodidade, se costuma to­mar no fechamento do balanço (dezembro de 1984 na empresa de nosso exemplo).

Se supomos que as vendas se produzi­ram uniformemente durante o ano e que a inflação também é constante, os ajus­tes a introduzir no balanço serão os se­guintes:

  • Os estoques, cujo custo histórico foi de 8.000.000 u.m. de janeiro, se transforma­rão em 8.800.000 u.m. de dezembro.
  • O capital, que foi historicamente de 20.000.000 de u.m., se ajustará em unidades monetárias de dezembro para transformar-se em 22.000.000 de u.m.
  • Como o caixa já está em unidades mo­netárias de dezembro, poderemos obter os benefícios do exercício confeccionan­do o “Balanço ajustado ao nível geral de preços” e deduzindo-o por diferença.

Quanto ao “Demonstrativo financeiro”, introduzem-se os seguintes ajustes:

  • As vendas, que tiveram lugar ao longo do ano, foram se produzindo em unidades monetárias de poder aquisitivo diferente: as do mês de janeiro em u.m. de janeiro, as de dezembro em u.m. de dezembro.

Por isso, em princípio deveremos multiplicar as vendas de cada mês pelo fa­tor correspondente; mas na prática sim­plificaremos o procedimento multiplican­do as vendas pela inflação média; se o au­mento de dezembro a dezembro é de 10%, é claro que esta média será de 5%.

Com isto a cifra de vendas será de 20.160.000 u.m. (isto é, 19.200.000 x 1,05).

  • O custo das mercadorias vendidas, pe­lo contrário, deve ser ajustado segundo o momento em que foram compradas; o que, em nosso caso, é o dia 1 de janeiro.

Com isto, tal custo deverá ser aumenta­do em 10% até 13.200.000 u.m.

  • Os outros gastos também deveriam ser corrigidos multiplicando os de cada mês pela relação entre o índice de dezembro e o índice de tal mês; mas se supomos que os gastos são feitos de maneira uniforme, podemos, da mesma forma que fazemos com as vendas, multiplicar pela inflação média (5% para obter a cifra ajustada).
  • Finalmente, em um demonstrativo ajus­tado ao nível geral de preços, é preciso le­var em consideração a perda monetária que acontece com quem tem ativos monetários.

Ativos monetários são aqueles que supõem uma quantidade fixa de unidades monetárias; e que, portanto, per­dem valor com a inflação.

Para ajustar o balanço ao nível geral de preços pode-se empregar o “encaixe” mediante o qual se faz “quadrar” o balanço, atribuindo a lucros a diferença entre ativo e passivo. A cifra de encaixe coincide com os lucros calculados no demonstrativo de perdas e ganhos.

Em nosso exemplo, como existe uni­camente um saldo em caixa de 16.000.000 u.m. no final do ano, que se foi acumu­lando ao longo do mesmo, o saldo de cai­xa médio é de 8.000.000 de u.m.; e, por­tanto, a empresa perdeu, aproximada­mente, 10% desta quantia.

Observemos que, embora o balanço em 1 de janeiro de 1984 estivesse, por de­finição, ajustado e o de 31 de dezembro tivesse acabado de ser ajustado, não são dois balanços comparáveis, visto que eles estão escritos em moeda de valor diferente.

Para torná-los comparáveis devería­mos obter ou o “Balanço de 1 de janeiro de 1984” em u.m. de dezembro e compará-lo com o de dezembro, ou então o “Balan­ço de 31 de dezembro” em u.m. de janeiro e compará-lo com o de 1 de janeiro de 1984.

Da mesma forma, pode-se fazer o “Demonstrativo financeiro de 1984” em u.m. de janeiro.

A cifra de lucro que se obteve (2.800.000 u.m. de dezembro, ou 2.545.455 u.m. de janeiro) tem uma interpretação muito simples: é a cifra que se poderia repartir em dividendos mantendo os acionistas o mesmo investimento em termos reais.

Nos dados do exemplo, os acionistas investi­ram 20.000.000 de u.m. em janeiro, que equivalem a 22.000.000 de u.m. de de­zembro; e o excesso de seus ativos sobre esta quantia representa o que se poderia repartir em dividendos mantendo o valor do investimento em unidades monetárias correntes em 31 de dezembro do ano de 1984.

A contabilidade ao custo de reposição

Na contabilidade ao custo de reposi­ção, não se leva em consideração o impacto do índice geral de preços, mas o dos preços específicos dos bens e serviços com os quais a empresa trata.

Neste caso, os ativos são avaliados segundo os preços específicos (custos de reposição) e passam, portanto, em seu momento, ao demons­trativo financeiro com mesma avaliação.

O primeiro significa que se reconhecem ganhos por aumentar de preço os ativos que se possuem; vamos denominá-los ga­nhos por posse.

O segundo significa que, uma vez reconhecidos os ganhos por posse, a margem das operações se vê dimi­nuída no demonstrativo financeiro, configurando um lucro de operações menor do que o lucro ao custo histórico, isto é, o benefício calculado sem levar em consideração o aumento dos custos especí­ficos da empresa.

Com os dados do exemplo anterior, e se supomos que o custo de reposição aumenta em 560 u.m./unidade antes que se venda nenhuma delas, obteríamos demonstrações financeiras ao custo de reposição como as que se mostram no “Balanço de 31 de dezembro de 1984” e no “Demonstrativo financeiro de 1984” ao cus­to de reposição.

Neles podemos observar como o lucro de operações é menor do que o lucro ao custo histórico devido às revalorizações (ganhos por posse) dos estoques que se vendem.

Ao mesmo tempo, se somam ao primeiro para chegar a um lucro total su­perior ao do custo histórico.

Os defensores do método, na realida­de, costumam insistir em que se adote co­mo conceito de lucro o chamado lucro de operações que, se o interpretamos, vere­mos que é aquela quantia que se pode repartir em dividendos mantendo a capaci­dade operacional da empresa.

Assim, se se repartissem 2.560.000 u.m. em dividen­dos, ficariam em caixa 13.440.000 u.m., que seriam suficientes para voltar a com­prar as 24.000 unidades do produto vendidas.

Caso se fizesse assim, então a empre­sa estaria, em termos físicos, exatamente igual ao que estava no princípio do exer­cício: teria em seu ativo as mesmas 40.000 unidades, todas financiadas com fundos próprios.

Se, pelo contrário, se repartisse em di­videndos o lucro total obtido segundo o ajuste a nível geral de preços (2.800.000 u.m.), ficariam em caixa não 13.440.000 u.m., mas 13.200.000 u.m., e com elas poderíamos comprar unicamente 23.571,43 unidades de produto.

Agindo desta for­ma, a empresa ficaria igual ao que era no princípio, quanto ao valor real dos ativos: um investimento de 22.000.000 de u.m., todo ele em estoques, equivalente em va­lor ao investimento do ano anterior de 20.000 u.m. mas não em número de unidades.

Portanto, a diferença entre um concei­to de benefício e outro se reduz, de certa forma, a esclarecer se a empresa no final do exercício está como no princípio do mesmo com relação a seus ativos físicos ou com relação ao seu valor.

Se os cus­tos de reposição aumentarem na mesma porcentagem que o índice geral de preços, os dois conceitos coincidirão; mas em ge­ral não será assim.

Observemos por outra parte que o fa­to de que o lucro de operações coincida com o lucro repartível, deixando os mes­mos ativos fixos ou não, depende do mo­mento em que tenham subido os custos de reposição.

Assim, se o aumento se ti­vesse produzido depois da venda, poderíamos observar no demonstrativo finan­ceiro que o lucro de operações é substancialmente maior, coincidindo até com o lucro do custo histórico.

Isto é devido a que, para que se possa produzir a identificação entre o lucro de operações e o lucro repartível, deve verificar-se uma série de circunstâncias, entre as quais sobressai a de que realmen­te se reponham os ativos à medida que vão sendo consumidos.

Métodos combinados

Cada um dos métodos anteriores apre­senta suas vantagens e seus inconvenien­tes.

De um lado, o ajuste ao nível geral de preços leva em consideração a inflação como tal; mas não os aumentos de preço concretos que a empresa sofre.

De outro, quanto ao custo de reposição se poderia argumentar precisamente o contrário.

Por isso, desenvolveram-se, tanto na teoria como na prática, maneiras de conjugar ambos os métodos, que se baseiam essencialmente em:

  • Avaliar os ativos ao custo de reposição;
  • Reconhecer a desvalorização das con­tas monetárias;
  • Em alguns casos, levar em considera­ção a estrutura de financiamento.

De fato, pode-se afirmar que existe um método integral de ajustamento que leva em consideração os dois primeiros pon­tos, e que podemos denominar contabili­dade ao custo de reposição ajustada ao nível geral de preços.

O método é uma combinação dos dois anteriores.

No que se refere ao balanço, os ativos são calculados segundo o custo de reposição, ao passo que os recursos próprios se ajustam pela inflação; e o demonstrativo financeiro é parecido com o do custo de reposição, com exceção de que nos ganhos por posse distingue-se quais são as partes fictícias (ou inflacio­nárias) e quais são as partes reais, não se reconhecendo como tais mais do que as últimas, como sugerimos um pouco acima.

O método é relativamente pouco usa­do na prática, razão pela qual não será tratado a fundo aqui.

Nos países em que se utiliza em profusão o custo de reposi­ção, como no Reino Unido ou nos Paí­ses Baixos, procurou-se complementar os cálculos desse método com o da perda monetária, ou com um ajuste adicional (chamado gearing), que leva em consideração a estrutura de financiamento para o cálculo do lucro disponível, dado que, com financiamento exterior, em muitos casos pode ser possível financiar pelo menos uma parte dos aumentos de preço dos ativos.

A adoção de um sistema de correção

Os sistemas de correção do lucro, pra­ticamente desconhecidos há apenas vinte ou vinte e cinco anos, ultimamente foram ganhando adeptos, inclusive em nível ofi­cial.

Já são muitos os países que exigem que a informação publicada nos relatórios das empresas contenha algum tipo de ajuste.

Mas, por enquanto, são muito poucos os países nos quais a Fazenda pública aceita um sistema de correção por inflação como base tributária.

Se o fisco qui­sesse manter seu nível de entradas, isto significaria que algumas empresas teriam que passar a pagar mais, ao passo que ou­tras poderiam pagar menos.

Como é ló­gico, as primeiras se oporão à adoção des­tes sistemas e as segundas o apoiarão, de modo que, embora seja difícil prever o re­sultado final, é fácil prognosticar que as discussões vão durar muitos anos.

Por is­so, do ponto de vista fiscal, por agora e enquanto nada mudar, a empresa deverá continuar fazendo sua contabilidade ao custo histórico.

Isto não impede que a empresa, por sua conta, elabore ao mesmo tempo uma contabilidade financeira, como informação aos acionistas e para ajudar a tomada de decisões, na qual leve em conside­ração a inflação através de algum dos mé­todos expostos.

Esta, por enquanto, é uma decisão totalmente independente por parte da direção, e o que está em jogo ne­la não são os impostos que a empresa de­ve pagar (que são decisão da Fazenda), mas a possibilidade de manter uma melhor informação.

Isto é importante pelo menos sob dois pontos de vista: o da de­cisão dividendos, para não descapita­lizar a empresa, e o da avaliação do andamento da empresa, para não incorrer em lamentáveis erros no diagnóstico.

No gráfico pode-se observar a evolução dos lucros líquidos (acima) e os lucros por ação (embaixo) da ITT, ajustados ao nível geral de preços (cor verde) e ajustados ao custo de reposição (cor vermelha).

A deformação do lucro contábil

A inflação é um fenômeno que afeta a empresa sob diferentes aspectos.

Em primeiro lugar, afeta evidentemente as decisões de preços; mas é raro encontrar alguma decisão na empresa que não seja influenciada, direta ou indiretamente, pela inflação.

A inflação tem também uma incidência direta sobre os lucros, por deformar a inflação contábil obtida com os métodos tradicionais.

Os efeitos da deformação são, em resumo, os seguintes:

  1. Os estoques, avaliados pelo custo histórico, no balanço aparecem a um valor claramente inferior ao seu valor constante;
  2. Consequentemente, o valor contábil da empresa é menor do que o seu valor real;
  3. Quando se vendem os estoques, subestima-se também o custo das mercadorias vendidas pelo fato de que também é calculado de acordo com o custo histórico; e, consequentemente, exagera-se o lucro;
  4. Os imobilizados, estimados também pelo custo histórico, têm na contabilidade um valor claramente inferior ao seu valor real;
  5. Isto diminui também o valor contábil da empresa;
  6. As amortizações calculam-se, portanto, sobre custos históricos menores do que os custos correntes, e consequentemente exageram o lucro;
  7. Não se reconhecem os lucros ou perdas monetárias;
  8. A rentabilidade da empresa fica, então, em geral, exagerada, tanto pela supervalorização do numerador (os benefícios) como por subestimar o denominador (os recursos próprios).

O último ponto é particularmente interessante e não passa despercebido à maioria dos analistas financeiros; mas, em muitas ocasiões, leva a falácias quanto ao montante da supervalorização da rentabilidade.

Concretamente, afirma-se, às vezes de maneira superficial, que se a rentabilidade de uma empresa ao custo histórico é, por exemplo, de 20% e a inflação é de 10%, a rentabilidade ajustada por inflação é de 10% (isto é, a diferença entre as duas).

Contudo, isto só será certo quando os incrementos dos custos da empresa coincidirem com o índice de inflação, o que raramente acontece.

O gráfico representa o crescimento médio (ou a diminuição média quando as cifras são negativas) dos lucros, em porcentagem, entre 1979 e 1983, em diversos setores industriais dos Estados Unidos. Pode-se observar a diferença que existe entre o crescimento declarado (cor laranja no gráfico) e o crescimento real calculado pelo sistema de ajuste a nível geral de preços segundo o IPC (cor azul) ou então ao custo de reposição (cor vermelha).

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Fonte: José M. Rosanas – Doutor em Engenharia Industrial, pela Universi­dade de Barcelona, e em Administração de Empre­sas, pela Universidade de Harvard. Professor e Coordenador do Departamento de Controle do IESE.